Desde a mais remota origem
em Portugal, as festas dedicadas ao Espírito Santo conservam uma relação muito
íntima com a cultura popular. As manifestações folclóricas sempre foram parte importante
das Festas do Divino, integradas aos elementos cerimoniais, compondo um
conjunto festivo, alegre, cultural e evangelizador. Para que assim seja não
deve ser mera apresentação. Deve haver conexão, para que a intimidade da alma
devota se externe espontaneamente para o sagrado.
Esta sua identidade pode
variar conforme a região, mas em geral é assim: no Brasil, em Minas, aqui em
São João del-Rei. Pois no Bairro de Matosinhos, no atual santuário, este é o espírito
de jubileu, onde a música, o canto e a dança se aliam em júbilo, em prece, como
ferramentas de louvação, com respeito e sinceridade de coração, de nossos
esforçados devotos e em especial, dos foliões e congadeiros, desde o resgate de
1998.
Antecedendo a festa, bem antes
da novena, as folias do Divino já iniciam sua jornada visitando residências,
onde, com a bandeira do Paráclito na dianteira, cantam louvores, recolhem
donativos para o evento religioso e anunciam a comemoração, convidando os
moradores a participar do jubileu, bem à moda portuguesa e açoriana. Com seus
instrumentos e vozes, as folias, após dias de jornada pelas ruas, se reúnem na
véspera de Pentecostes para a Procissão do Imperador Perpétuo e para a missa do
último dia das romarias. Sua participação é da maior relevância e sempre atrai
muita gente. No coreto armado no adro, especialmente para esta festa, arrematam
seu giro anual no encontro das bandeiras, cantando todos os grupos ao público
leal à tradição.
No dia maior, domingo de
Pentecostes, é a vez dos congados, dos mais diversos estilos _ moçambiques,
catupés, congos, caboclos, vilões, marujos _ que desde cedo chegam com um batuque
de ritmos ancestrais, heranças musicais dos africanos. O canto congadeiro é um
louvor, sua dança é uma saudação, seu toque é uma reza... o que o dançante faz
é um ato de resistência cultural, mostrando a força do negro e sua fé viva. Os
tambores elevam clamores! São porta-vozes ... precisam ser ouvidos.
Já hoje, felizmente, alcançados
alguns avanços à custa de grande e longa luta pelos direitos de igualdade, mas
ainda com muita estrada a trilhar, muita coisa a se conquistar, vemos, contudo,
a alegria da confraternização como brasileiros de fé, povo mesclado de etnias
tão antigas, ricas e complexas, trazendo às novas gerações cantares, ritmos e
danças variadas, emoldurados por trajes coloridos, chapéus enfeitados de fitas
e flores. O corpo em dança descreve a trajetória do povo. É sua própria
história dramatizada que ali vemos com emoção. No braço da viola, no fole da
sanfona narram sua crença viva.
Não pode acabar; não deve
parar! Os mestres foliões e os capitães congadeiros sofrem pelejas diversas e a
cada dia percebem a dificuldade em recrutar o jovem para a renovação e
continuidade de seus grupos.
O sofrido devoto se reafirma
no congado e na folia. Mostra para quê veio, que existe..., que tem força e
devoção, que merece ser visto e ouvido, prestigiado. O Espírito Santo é a sua
luz e direção, lado a lado ao rosário de Nossa Senhora, e todo o complexo
cultural que traz consigo. A folia e o congado é parte da história do bairro e
está ano a ano construindo um novo capítulo da história desta festa admirável,
que é dinâmica e atrai os moradores de Matosinhos, do restante da cidade, da
zona rural e das cidades próximas, além de turistas de longe.
A Festa do Divino é a
oportunidade especial de presenciar e demonstrar esta maneira de ter fé e
cultura. Em sintonia e harmonia, o povo de Deus festeja o Paráclito no império
da cultura popular. A Comissão do Divino como gestora deste evento tem uma joia
nas mãos, que merece o polimento e o cuidado sob as diretrizes do Imperador de
cada ano.
Congado do Bairro São Dimas, da Capitã Maria Auxiliadora, adentra o adro do Santuário de Matosinhos. 08/06/2014. |
Folia do Divino do Bairro Guarda-mor, dos foliões Fanico, Virgilinho e João Bosco, apresenta-se no coreto da festa em Matosinhos. 26/05/2012. |
Notas e Créditos
* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotos: Iago C.S. Passarelli
*** Obs.: este texto foi escrito para o Informativo da Festa do Divino de 2015, nº18, boletim anual publicado pela comissão organizadora deste jubileu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário