sexta-feira, 22 de abril de 2016

Entendendo a imagem do Divino


Em geral as principais representações materiais do Paráclito são em forma de pomba e de língua de fogo, inspiração livre nas escrituras bíblicas. Pomba e fogo aparecem artisticamente aplicados sobre uma pintura em estandarte, bandeira, flâmula, quadro, painel, medalhão ou escudo e em especial a pombinha branca aparece esculpida ou moldada sob a forma de imagem. É tal como o vemos no retábulo ou no forro de várias capelas e igrejas e ainda, na arte popular, figurando airosa nos estandartes de procissões e nas bandeiras de grupos de folia do Divino e ternos de congado.[1]

Perpassando estes elementos vemos que o artista executor da imagem ou da pintura, nas mais diferentes flâmulas e na imaginária, se vale de alguns artifícios para fixar a simbologia agregada ao Espírito Santo. Muitas vezes é acrescida de elementos simbólicos que reforçam as impressões populares pela adição de efeitos. Entendo-os assim: 

efeitos luminosos (halo, fachos, raiadas, línguas de fogo, brilho, clarão);
efeitos de santidade (auréola, resplendor);
efeitos de poder (coroa, cetro);
efeito de pacificação e esperança (ramo verde no bico, interpretado como de uma oliveira);
efeitos sacramentais (1- figuração de água – lembrança do batismo de Cristo no Rio Jordão; 2- pombinha ao centro de uma custódia – representação bastante generalizada);
efeitos de divindade (1- pintura de nuvens se afastando para aparição da pomba; 2- nuvens em torvelinho ao seu redor, acinzentadas em cataclismo; 3- céu se abrindo como se tragado de um plano superior donde emana luz, representado em gradação branca-amarela-laranja);
efeito de efusão (vento representado como tracejado paralelo branco-azulado-cinzento,  saindo da pomba em direção à Terra);
efeito de movimento (quase sempre a pomba está de asas abertas, voando em graciosa lateralidade ou em fase de descida. Por estar voando suspensa confere a ideia de estar acima de nós, de um ser superior).

O lado místico se revela pela própria condição de uma devoção não antropomórfica, ou seja, existe uma dificuldade em confeccionar uma imagem do Divino ou pintá-lo, pois que o Espírito Santo não apareceu sob forma humana; não é como os santos, que foram gente. Daí o artista buscar os artifícios acima enumerados para melhor fixá-lo a partir da abstração natural.

A imagem do Divino Espírito Santo existente no Santuário Diocesano do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em São João del-Rei, é extremamente significativa por sua origem e elementos simbólicos, além de ser uma belíssima obra de arte religiosa.

Ela é do século XIX. Foi doada pelo Imperador do Divino Tomaz Antônio Gonçalvez. Tem a forma de custódia. Atrás dela existe a seguinte inscrição: “Feita nesta cidade de São João del-Rei, em maio de 1868, por Manoel Pereira Maya, natural de Piracatu [2], por mandado do Imperador do Espírito Santo Thomaz”. A inscrição foi descoberta numa restauração. Naquela ocasião foram retiradas dezesseis lâmpadas coloridas, com as respectivas boquilhas, que um inconsequente fixara nas raiadas da imagem, descaracterizando-a. O acréscimo de gosto duvidoso fora realizado na segunda metade do século XX. Atrás, sobre a dita inscrição, um terrível emaranhado de fios punha a peça sacra sob o risco de incêndio, por um muito plausível curto-circuito. Considere-se que é feita de madeira. Retomou sua autenticidade.

Nela vemos a pombinha presa à peça principal por um pequeno gancho nas costas, o que a torna pendente de fato, pelo que, em procissão, conforme o balancear do andor, parece mesmo que está voando... Como plano de fundo existe o recorte de um triângulo equilátero, simbologia representativa da Santíssima Trindade, da qual o Espírito Santo é a Terceira Pessoa. Acima dela está esculpida uma coroa e dois cetros cruzados, elementos da realeza simbólica, poder, reinado, império, súditos que são os fiéis do Espírito Santo, o povo de Deus. O fato de serem dois cetros talvez ultrapasse a pura estética da composição: lembremos que se hoje temos apenas o Imperador do Divino, na festa do passado também tínhamos a Imperatriz. É plausível que os dois cetros possam ser alusão ao casal imperial.

Bandeira de congado,
Moçambique Divino Espírito Santo, Piracema/MG
durante do jubileu em Matosinhos, São João del-Rei, 28/05/2012.

Medalhão aplicado a um estandarte de procissão.
Acervo da Comissão Organizadora da Festa do Divino, Matosinhos,
São João del-Rei/MG, 28/05/2012.

Quadro de mastro fincado diante da Igreja de Santa Teresinha,
Matosinhos, São João del-Rei, durante a Festa do Divino.

Imagem do Divino, Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos,
São João del-Rei/MG, 18/05/2013.

Bordado representativo do Divino numa antiga dalmática.
Acervo do Santuário Diocesano do Senhor Bom Jesus de Matosinhos,
São João del-Rei/MG, 25/03/2012.

Bordado representativo do Divino numa antiga dalmática.
Acervo do Santuário Diocesano do Senhor Bom Jesus de Matosinhos,
São João del-Rei/MG, 25/03/2012.

Pintura do Divino na bandeira da Folia do Divino "Embaixada Santa",
São João del-Rei/MG, 04/04/2012. 


Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Fotografias: Ulisses Passarelli (bandeira de folia, dalmáticas) e Iago C.S. Passarelli (imagem, estandarte, quadro de mastro, bandeira de moçambique)
[1] - Publicado no Informativo do Jubileu do Espírito Santo, n.19, maio/2016, São João del-Rei.
[2] - Piracatu: Paracatu, cidade do noroeste mineiro. 



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