A ferrovia foi um símbolo de progresso incomensurável por toda parte, unindo regiões. A terceira ferrovia construída no país foi a E.F. Dom Pedro
II, inaugurada em 29/03/1858, no Rio de Janeiro, com 48,2 km iniciais, bitola
de 1,60 m. Passou mais tarde por várias ampliações de trajeto e chegou a Minas
Gerais.
Uma lei provincial, a de nº 1.914, de 19/07/1872, contemplava a possibilidade
de uma ligação ferroviária entre a cidade de São João del-Rei e a supracitada
E.F. D. Pedro II. Mas se desvalidou sem efetivação. Com algumas diferenças, que
não cabem tratar aqui, as províncias daquela época podem ser consideradas
equivalentes aos atuais Estados.
Surgiu outra lei da província, a nº 1.892, de 11/11/1873, prevendo uma ligação
por via férrea de algum ponto da ferrovia D. Pedro II para rumo oeste atingir
um trecho navegável do Rio Grande e do término deste, de novo rumo oeste, até
as fronteiras provinciais. Esta lei nos favoreceu, pois São João del-Rei estava
na direção pretendida.
Posteriormente, outra lei da Província, a de nº 2.398, de 05/11/1877, revogou-a.
Com este respaldo, logo formou-se uma sociedade anônima em São João del-Rei,
sob os auspícios dos empreendedores Luiz Augusto de Oliveira e José de Resende
Teixeira, que conseguiram a concessão com o privilégio de 50 anos. Em
02/02/1878 estava criada a Cia. Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM), dirigida por Aureliano Martins
de Carvalho Mourão (presidente), José da Costa Rodrigues (secretário) e Antônio
José Dias Bastos (tesoureiro). Graças a eles e aos acionistas, conseguiu-se
levantar considerável soma em dinheiro, não todo, porém. Mas tendo baixado
bastante o custo/quilômetro com redução da bitola para 76cm, foi assim possível
iniciar as obras em junho seguinte. José Cláudio Henriques considerou esses
acionistas como patriotas [1].
A notável figura de Aureliano Mourão nunca poderá deixar de ser frisada nesse
processo. Era advogado e tinha escritório em São João del-Rei à Rua da Prata
(atual Padre José Maria Xavier), nº 7 [2]. Foi Imperador do Divino nesta
cidade, no ano de 1892.
A fiscalização das primeiras obras coube ao engenheiro Paulo Freitas de Sá.
O primeiro trecho ia de Sítio (atual Antônio Carlos – Km 0 da EFOM,
entroncamento com a D. Pedro II) até Barroso. Tinha 49 km. Foi inaugurado em
30/09/1880 e logo iniciou o tráfego. Entre Sítio e Barroso só havia então uma
unidade telegráfica, estabelecida em Ilhéus.
Continuaram as obras rumo a São João del-Rei já inauguradas no ano seguinte,
com a presença do próprio Dom Pedro II. Neste segundo trecho só havia então a
estação de Tiradentes (ex São José del-Rei) e o posto telegráfico do Morro
Redondo. Mais tarde surgiram outras estações e paradas.
Em 24/08/1885, a companhia obtém concessão para estender os trilhos até
Oliveira com ramificação para Ribeirão Vermelho, então nomeada como
Lavras, onde a ferrovia atingia um ponto navegável do Rio Grande, cumprindo um
dos objetivos da primeira concessão citada. As obras iniciaram em julho do ano seguinte. A velocidade do trabalho braçal
foi extraordinária. Não se dispunha de tratores ou caminhões, senão ferramentas
manuais, carroças, zorras e carros-de-boi. Machados, picaretas, enxadas, tração
animal e a força do braço, abriram caminho sertão adentro. A ação implicava em
derrubada de árvores, extração de rochas das pedreiras, terraplenagem, fundação
de pontilhões, arrimamentos, edificação de estações, assentamento de dormentes
e trilhos.
Outra concessão, de 27/12/1888, autorizada pela lei mineira 3.648, de 1º de setembro daquele ano, possibilitou nova extensão da via. Deveria ir ao Alto Rio São Francisco, na barra ou imediações do Rio Jacaré e conter um ramal para Itapecerica. Iniciaram os trabalhos. Pelas tantas, a companhia conseguiu alterar a concessão esticando-a até a confluência do Rio Paraopeba com o Rio São Francisco e aí fundou-se a estação de Barra do Paraopeba em 10/02/1894, km 602 da bitolinha e seu ponto final. Pretendia a EFOM explorar navegação no São Francisco.
Sobre navegação aliás, o que se sabe com certeza é que houve em 208 km do Rio
Grande, alcançada pela ferrovia em Ribeirão Vermelho, entroncamento ferroviário
importante e ponto de partida da navegação fluvial a vapor, rumo sudoeste, até
Capitinga, acima da Cachoeira de Furnas [3]. Tal navegação iniciou-se em 1880,
antes mesmo da ferrovia, por iniciativa de lavrenses.
A EFOM continuou ampliando sua extensão, noutra bitola (1 metro). Mas está
circunscrito para este texto apenas o assunto da bitola estreita (no caso, distância
entre trilhos de 76 cm), motivo pelo qual não se irá enveredar nesse outro
histórico.
Em dois textos, Bruno Nascimento Campos abordou a inter-relação entre a expansão das atividades econômicas do final do período oitocentista, a fixação dos imigrantes e a chegada do trem, considerando ainda a conotação política que a ferrovia alcançou, enquanto emblema do progresso [4].
Após várias mudanças administrativas, a linha de bitola estreita da EFOM foi erradicada, ficando reduzida a 12 km, de função turística, entre São João del-Rei e Tiradentes.
Composição ferroviária passando entre o Bairro Matosinhos e o Rio das Mortes. |
Créditos
- Texto: Ulisses Passarelli.
- Fotografia: Iago C.S. Passarelli, dez.2012.
Notas
- Revisão: 29/07/2025.
- Agradecimentos
especiais ao historiador Bruno Nascimento Campos, pelas preciosas informações
prestadas e amparo na revisão desta postagem.
[1] Jornal O Grande Matosinhos, n. 11, set./2000. São João del-Rei.
[2] Jornal Arauto de Minas, n. 6, 13/04/1883. São João del-Rei.
[3] Com os seguintes portos intermediários:
Congonhal, Ferreiros, Jacaré e Osório.
[4] In: Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, n. 12, 2007.
- A imigração e a Oeste de Minas em São João del-Rei
- A apropriação do trem: luta política em periódicos são-joanenses (1878-1889).
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