terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Monumentos em Matosinhos

            “Razões” do progresso puseram abaixo todo o casario colonial do Bairro Matosinhos, São João del-Rei/MG e mais recentemente as casas de estilo eclético, restando poucos exemplares. A arquitetura vernacular é preponderante no bairro. Como ícones monumentais restaram a Estação Ferroviária Chagas Dória e a Estátua-chafariz conhecida por Deusa Ceres. 

            No fim da década de 1990 um apelo de moradores mais sensíveis do bairro visava restaurar o pouquíssimo que sobrou. Sempre divulgando, aqueles esforçados cidadãos acabaram por lançar um projeto, “Triângulo Histórico Monumental do Bairro de Matosinhos”, que tinha por vértices a restauração da estação de Chagas Dória, a construção de uma réplica da igrejinha demolida (para servir de capela do Santíssimo e sala de ex-votos) e outra réplica, ainda que só da fachada, do também demolido pavilhão do bicentenário. A igrejinha seria feita no adro da atual e o pavilhão no desativado matadouro.

            A ampla divulgação levou a muita repercussão na imprensa, mas por falta de verbas e, sobretudo, de vontade política, o projeto não se concretizou e dele não se tem mais falado [1]. A estação foi restaurada bem depois, sem vínculo algum com este projeto.

1-      Estátua-chafariz
Controvertida é a história deste monumento, cheio de incertezas históricas. Novas considerações e estudos revelam equívocos do passado e trazem outras interpretações. É divulgado que esta peça de ferro fundido foi adquirida pela Câmara Municipal em 1887, mas exatamente a fonte original desta informação é por oras desconhecida. Mas parte-se do pressuposto de ser verdadeira em razão de se tratar de um equipamento urbano, cuja aquisição e instalação é da alçada do poder público. 

Tradicionalmente o chafariz encimado por uma estátua tem sido interpretado como Ceres, que na mitologia romana é a deusa da agricultura e da colheita. Neste sentido o monumento representa uma mulher elegante, segurando ferramentas de uso agrário (ancinho e segador) e tem aos pés um feixe de ramos de trigo. Na base, como um pedestal muito bem trabalhado, há de cada lado duas caras medonhas de cujas bocas jorrava água para dentro das respectivas bacias. Essa carantonha representa o Fauno, entidade romana da natureza.

Outras interpretações, porém, lhe atribuem um aspecto de jovem rapaz com trajes romanos, portanto estátua masculina, representativa do verão.

Ficava na lateral da igreja demolida. Em certa época dos novecentos, este chafariz foi retirado de Matosinhos e enviado para o Bonfim, onde ficou junto à estação de tratamento de água. Retornou a Matosinhos, ocupando o centro da praça. Era cercado de uma grade baixa, pintada de cor alaranjada, prejudicando ainda mais o seu visual, já poluído por conta dos trailers e barracas que ali infestavam. A grade não lhe garantia segurança, tanto que no final de 1998 uma tampa de ferro fundido da parte posterior de sua base, cheia de floreados em alto relevo, foi roubada e vendida para um ferro-velho da cidade. Felizmente pôde ser recuperada. Com a reforma da praça em 2003 essa grade foi retirada.

No carnaval de 1999, um gaiato em flagrante desrespeito subiu sobre a estátua-chafariz, pendurou em sua cabeça um pano como se tivesse com um lenço amarrado. Assim fotografada, saiu na Gazeta de São João del-Rei, como a foto da semana, na edição n. 32, de 27 de fevereiro daquele ano.

            Embora seja um chafariz há anos não jorra água.

Esta estátua possui Tombamento pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural, desde o ano 2000 [2] e Inventário de Patrimônio Cultural, aprovado em 2013.

Na cidade, já correu proposta de retirá-lo de Matosinhos e trazê-lo para o centro histórico da cidade, sob alegação do patrimônio arquitetônico do bairro estar todo degradado e assim não fornecer mais entorno e ambiente propício. A ideia é duramente combatida pelos apaixonados por Matosinhos.

Sobre a origem desta estátua hoje se sabe graças à perspicácia do professor Antônio Gaio Sobrinho que se trata de uma peça da fundição francesa Val d’Osne [3]. Pensava-se antes numa origem italiana, de Turim.

Estátua-chafariz de Matosinhos, fontanário tradicionalmente chamada "Deusa Ceres", terminologia hoje em contestação, diante de seu nome original "L'eté" (Verão). Autor: Iago C.S. Passarelli, 04/08/2013.

O fontanário restaurado e trasladado para a 
Estação Chagas Dória em 2024. Autor: Ulisses Passarelli, 03/08/2025.  

2-      Chafariz da Chácara dos Simas

         Houve em Matosinhos um outro chafariz. Era em estilo barroco, matéria-prima de pedras, com frontispício em cantaria. Localizava-se próximo à igreja. Certo prefeito o retirou, sob a alegação de restaurá-lo e Matosinhos não reviu o monumento. Lincoln de Souza noticiou acerca de um chafariz colonial removido do bairro, possivelmente esse mesmo[4]:

desenterrado aos pedaços dos fundos de uma velha chacara colonial do suburbio de Matozinhos e reconstruida cuidadosamente, está hoje nas imediações do quartel do 11º Regimento de Infantaria a atestar a sobria elegancia de suas linhas arquitetonicas.

Chafariz de Matosinhos, segundo uma antiga ilustração.
Cortesia: Osni Paiva.

3-      Monumento à Guerra dos Emboabas

Datado de 12/10/1990. Situa-se na praça principal. É um marco de pedra com placa metálica, portando longo letreiro em memória desse embate, travado no período inicial da mineração, no qual São João del-Rei foi um dos centros com episódios mais aguerridos.

Autor: Ulisses Passarelli, 06/03/2014.


Em especial, houve o célebre episódio do Capão da Traição, no qual um grupo de paulistas foi assassinado pelos emboabas impiedosamente, apesar de já terem se rendido dentro de um capão (o mesmo que capoeira, pequena mata), daí dizer-se que foram traídos. O marco rememora em especial esse fato trágico.

O lugar exato do capão não é conhecido. Uma das correntes defende que se situasse em Matosinhos, tendo a seu favor grandes nomes como Basílio de Magalhães e Lincoln de Souza. Eis uma citação deste [5]:

"O arrabalde de Matozinhos a tres quilometros da cidade, onde se realizam anualmente tradicionais festejos religiosos, cuja fundação data de 1774, foi teatro de triste episodio que passou á historia conhecido como o do “Capão da Traição”."

Estudos de Guimarães (1986) apontam como local mais plausível as proximidades do Pombal, onde nasceu o são-joanense, Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. A terceira possível localização seria nos arredores dos povoados de Canela e Goiabeiras, em São João del-Rei, tese que tem como baluarte Eduardo Canabrava Barreiros.

Este monumento foi removido de sua posição original, relativamente próximo aos trilhos da Maria Fumaça, quando da reforma da praça que lhe deu a feição atual com a retirada dos traillers. Hoje se situa mais defronte ao SENAI, à frente aos aparelhos de ginástica. O verso da pedra que fixa a placa com o letreiro citado ganhou outra placa, de natureza política, referente à inauguração da  academia comunitária, como se pode ver nas fotos abaixo. 


Pedra afixada na Praça de Matosinhos, contendo a placa referente à Guerra dos Emboabas (face voltada para a igreja) e à inauguração dos aparelhos de ginástica (face voltada para a rua). Autor: Ulisses Passarelli, 06/03/2014.
Obs.: esta placa encontra-se atualmente removida (03/08/2025). 

4-      Monumento da Maçonaria

Está situado na praça, mais próximo à estação, no divisor de pistas que serve de retorno da saída da Rua Bernardo Guimarães. Sobre uma base de concreto armado, em forma de coluna, se assenta em tamanho considerável, o símbolo maçônico do esquadro invertido, sobreposto pelo compasso, tendo ao centro a letra gê, maiúscula. Datado de 27/10/1995, comemora o centenário da Loja Maçônica Charitas II, desta cidade.

Monumento maçom em Matosinhos.
Foto: Ulisses Passarelli, 02/01/2014.

Monumento já requalificado, segundo placa nele afixada, durante 
administração 2018-2020. Autor: Ulisses Passarelli, 03/08/2025. 


Placas do monumento. 
Autor: Ulisses Passarelli, 03/08/2025. 

5-      Monumento ao primeiro pároco de Matosinhos

Busto em homenagem ao Cônego Jacinto Lovatto Filho, posto na praça, após a reforma de 2010, defronte o santuário, no ano do cinquentenário da paróquia. Inaugurado em agosto.


Busto do Padre Jacinto. 
Foto: Iago C.S.Passarelli, 2012. 


Busto com dano (óculos removido). 
Autor: Ulisses Passarelli, 03/08/2025. 

Uma das placas do monumento. 
Autor: Ulisses Passarelli, 03/08/2025. 

Outra placa do monumento. 
Autor: Ulisses Passarelli, 03/08/2025. 


Referências

BARREIROS, Eduardo Canabrava. As Vilas del-Rei e a Cidadania de Tiradentes. Rio de Janeiro: José Olympio / INL, 1976.

GUIMARÃES, Geraldo. O Capão da Traição. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, n. 4, 1986.


Créditos


- Texto: Ulisses Passarelli.
- Fotosgrafias: conforme legendas.

Notas


- Revisão: 03/08/2025. 


[1] - Alguns textos jornalísticos publicados em São João del-Rei, sobre o projeto do Triângulo Histórico:
ACI del-Rei, n. 45, out./1998; Gazeta de São João del-Rei, n. 15, 24/10/1998; n. 17, 07/11/1998; n. 34, 13/03/1999; n. 37, 03/04/1999; n. 40, 24/04/1999; n. 44, 22/05/1999; Tribuna Sanjoanense, n. 974, 30/03/1999; n. 976, 20/04/1999; n. 980, 18/05/1999.
[2] - Notícia sobre este tombamento: O Grande Matosinhos, n. 13, nov. / 2000. São João del-Rei. Dados sobre este tombamento: Decreto Municipal 11.558, 16/12/2024 (Processo 028/00; Resolução CMPPC: 006/00, 11/10/2000; Homologação: Decreto 2.628, 18/10/2000).
[3] - Informação pessoal de Francisco José de Rezende Frazão, 25/04/2012.
Ver a respeito desta notícia: SACRAMENTO, José Antônio de Ávila. Deusa Ceres: ela não é italiana, é francesa! O Grande Matosinhos. Coluna Gente & Notícia, n.146, abr.2012. Disponível em: www.ograndematosinhos.com.br, acesso em 26 abr. 2012.
Sobre este monumento ver também: CARVALHO, José Maurício de. Chafariz da deusa Ceres. Tribuna Sanjoanense, n. 1.040, 03/10/2000.
[4] - SOUZA, Lincoln Teixeira de. Coisas e aspectos do Brasil. O Carioca, Rio de Janeiro, 15/02/1941. In: Viagens pelo Brasil e ao Estrangeiro: caderno de viagens. (Exemplar da Biblioteca Pública Municipal Batista Caetano de Almeida, São João del-Rei) 
[5] - SOUZA, Lincoln Teixeira de. Predios e sitios historicos de São João del-Rei. 18/02/1941. In: Viagens pelo Brasil e ao Estrangeiro: caderno de viagens. (Exemplar da Biblioteca Pública Municipal Batista Caetano de Almeida, São João del-Rei). 

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