Conhecendo os elementos festivos
Festa é ocasião de romper o cotidiano. A estressante rotina do trabalho semanal, levemente atenuada pelo sábado e domingo é de fato quebrada nas horas festivas. As regras sociais do dia-a-dia se tornam então mais flexíveis. É possível exprimir a alegria, a fé e a amizade de forma mais espontânea, livre das hipocrisias convencionais.
Nestes
instantes, comer e beber ultrapassa ao limite habitual; gastam-se um pouco mais
e se flexibiliza o rigor dos horários. É a oportunidade de assistir a
espetáculos, grupos musicais, reencontrar parentes, amigos e compadres. Enfim,
a festa, por assim dizer, para quem participa ou apenas assisti, de alguma
forma, descarrega as tensões diárias e recarrega o indivíduo de novo ânimo para
de volta encarar as responsabilidades rotineiras.
E
se tudo isto é possível é porque cada festividade é um evento que reúne em si
uma série de elementos que numa situação normal da semana ou de um final de
semana ordinário não existem.
A
festa do Espírito Santo tem como característica a espontaneidade de uma grande
quantidade de elementos, que se misturam na programação e se renovam sempre. A
variabilidade é a maior identidade dessa festa inimitável. Cada ano é diferente
do outro. Descaracterizada estará a festa do Divino rígida em sua estrutura,
congelada num modelo do passado. Mas no contrapeso é preciso tomar cuidados
para não enxertá-la de elementos estranhos á cultura popular, popularescos,
pretensamente folclóricos.
Com
essas considerações iniciais, passo a seguir, em breve revista, alguns
elementos que constituem o evento em questão.
Jovem congadeiro de Conselheiro Lafaiete/MG: a Guarda de Marujos "Santa Efigênia" é uma presença marcante desde o primeiro Jubileu do Divino reativado. |
1- Divulgação
Noutros
tempos se desenvolvia de forma simples, através de impressos gráficos
espalhados pela cidade e ainda de programas contidos em diferentes jornais.
Afora isto era o boca-a-boca e os avisos dados dentro da igreja, nas horas de
missa.
O jornal parece ter sido
porém o maior veículo de divulgação. Diversas festividades se valiam dele sendo
comum por exemplo notícias sobre o jubileu da Santíssima Trindade, em
Tiradentes [1]
e mesmo festas de regiões distantes. Eis um anúncio do século XIX, da
Zona da Mata mineira, num jornal são-joanense, sob o título de “Festa do Divino
Espírito Santo no Amparo da Serra, município da Ponte Nova” [2]
:
Eleito
festeiro do Divino para o corrente anno, faço publico que a festa realisar-se-á
no dia 15 de agosto proximo futuro, neste arraial do Amparo da Serra. Haverá
missa cantada, te-deum, sermões, procissão. Na vespera será queimado um
castello magnifico de fogos artificiaes, preparado pelo habil pyrotechnico
Lucas Dias de Aguiar. Convido por este meio, e espero sem falta, grande
concurrencia de povo para mais abrilhantar o referido festejo. Antonio Pires
Ribeiro. - Amparo da Serra - 11 de Maio de 1891.
Notar
o destaque à parte religiosa e ao espetáculo pirotécnico como grandes atrações,
bem como, a preocupação do festeiro pela concorrência de sua festa.
Mas
se naquele tempo recuado a divulgação visava alcançar os fiéis, hoje, além
destes, direciona-se também a um grupo novo: os turistas. Na tarefa de “vender
o peixe”, há de ser muito convincente e para aquinhoar uma parcela desta
promissora assistência, houve por bem de se adotar diversificadas formas de
difusão, tais como notícias em jornais, emissoras de rádio, entrevistas
televisivas, avisos em missas, notícias via internet, palestras, exposições de materiais,
faixas com inscrições das datas festivas e mensagens, banners, outdoors,
cartazes, informativos, adesivos, camisetas. Não se emprega a totalidade dessas
medidas todos os anos, ao que parece por limitação financeira.
O
cartaz traz ao centro estampada a imagem do Divino Espírito Santo da matriz de
Matosinhos. O conteúdo programático vem abaixo ou ao redor (“cartaz-programa”).
Em alguns anos em posição satélite foram adicionados pequenos retratos de
momentos da festa. Pelo bom tamanho, colorido atraente e tiragem limitada, a
estratégia adotada é a de ser afixado em locais públicos de grande movimentação
de pessoas, atingindo assim o maior número possível de fiéis e assistência.
Apenas em 1999 o programa foi desvinculado do cartaz, difundido em planfletagem
avulsa.
O adesivo
para vidraças e para-brisas de automóveis só foi efetivado em 1999 (interno) e
2007 (externo).
O
outdoor, devido
ao custo elevado, não foi adotado todos os anos (ausente por exemplo em 1998,
1999, 2003 e 2004). Aparece em número de duis ou três unidades a cada ano. Sua
grande visibilidade nos pontos estratégicos das vias públicas, ao centro e na
entrada da cidade, fez dele um importante aliado na propaganda do jubileu. Em
São João del-Rei raríssima é a festa católica que adota esse recurso midiático.
Além
destes existe ainda um outdoor luminoso situado no adro do santuário, que estampa sempre
temas e lemas, versículos bíblicos, chamadas de festas da paróquia e que
ultimamente vem também veiculando a festa do Divino por iniciativa do pároco.
O
informativo é um boletim anual, com editorial, expediente, programação,
artigos, comentários, avisos, pedidos e transcrição de trechos selecionados, de
antigos jornais da cidade, acerca de notícias da festa de outrora. Sua
distribuição se deu ora avulsa, digo, independente (1998, 1999, 2008, 2009) ora
como encarte do jornal O Grande
Matosinhos (2000, 2001, 2004, 2005, 2006), ora das duas maneiras de forma
concomitante (2002, 2003, 2007).
Funcionando
como documentação há ainda as filmagens e gravações. Seu valor como divulgação
é limitado pelas dificuldades para produção de grande número de cópias e sem
dúvidas é um recurso a ser ainda melhor explorado.
Novas
estratégias de divulgação surgiram em 2008 e 2009: um folder e um
mastro. O folder contém
informações programáticas, texto da novena além de uma listagem dos imperadores
recentes e antigos, estes informados por mim, com base na presente pesquisa. O
“mastro de aviso”, fincado na entrada do adro pelos festeiro, sem ritualização
ou congados, tem uma grande bandeira branca enquadrada, com os dizeres:
“Jubileu do Divino – 01 a 11 de maio” / “Jubileu do Divino – 21 a 31 de maio”,
facilmente visível de qualquer ponto da praça.
Interessante
observar que a palavra divino, com aplicação adjetiva, confere uma qualificação
de belo, sagrado, especialíssimo... divinal, a toda expressão à qual se adita.
Isto dá um ar muito próprio a diversos elementos constitutivos da comemoração e
evoca ao mesmo tempo o patronato do Espírito Santo: festa do Divino, jubileu do Divino, mastro do Divino,
cavalgada do
Divino, folia do Divino, cavaleiro do Divino, imperador do Divino, procissão do Divino... Involuntariamente a repetição funciona como efeito
midiático, ao alcançar nestas expressões uma condição análoga à de uma marca
registrada. É uma codificação que em última análise contribui para reforçar o
caráter identitário dos elementos festivos.
O
tempo de existência da comemoração tem também seu efeito propagandista. No
comércio, por exemplo, uma loja ou produto anuncia sua longevidade de
propósito, dizendo que foi fundada em tal ano, ou que tem tantos anos de
experiência e com isto visa alcançar maior credibilidade, impressionando pelo
tempo no mercado, sinal de competência e qualidade. Ora, também com a festa a
idade funciona assim, como um ponto favorável. Por isso nos materiais de
divulgação é comum surgir repetidas vezes as datas 1774 (da primeira festa) e
1783 (do breve pontifício concedendo as indulgências plenárias). Não apenas
impresso, mas também se ouve com freqüência nas entrevistas e ainda se vê em
duas placas de madeira presas às colunas do portão central do adro, as datas
extremas (a primeira e a do ano corrente), polarizando o tempo total da
comemoração - impressionante marca de mais de duzentos e trinta anos.
O
próprio título jubilar reforça a magnitude da festa e age também como elemento
de propaganda paralela, a partir das premissas de sua raridade (pouquíssimas
festas o possuem), antiguidade (século XVIII) e perpetuidade (não carece de
renovação). Os festeiros quase não o têm usado assim, o que é um desperdício de
oportunidade. Ele age desta forma sem esforço algum, a bem dizer por si mesmo.
Por
fim, à guisa de especulação, acho oportuno lembrar da alternativa hoje possível
do tombamento da festa no nível de bem imaterial. A meu ver, por um lado,
embora fosse congelar um tanto a dinâmica festiva, por outro lado estaria aí
mais uma ferramenta de difusão, com a possibilidade de um pregão bem pomposo,
tipo: “Jubileu do Divino, patrimônio cultural do Brasil”.
2- Música
Não
é sem razão que São João del-Rei é cognominada “Terra da Música”. A primeira
informação vem de 1717, quando uma “banda” da época, regida por Antônio do
Carmo, subiu ao Morro do Bonfim, para ali recepcionar o Conde de Assumar, então
governador da Capitania de São Paulo e das Minas.
Desde
então, nossa história musical tem sido notória. Várias corporações existiram e
outras tantas permanecem ativas. A música persiste com grande força, envolvendo
todas as faixas etárias [3].
No
passado, as bandas e orquestras eram anunciadas nos programas dos jornais com
destaque. O nome dos antigos maestros era citado com grande respeito e
admiração: Martiniano Ribeiro Bastos, João Evangelista Pequeno, Carlos José
Alves, Presciliano Silva, Luiz Baptista Lopes. Nos comentários jornalísticos da
festa de 1901, foi dito que a banda militar enlevou os circunstantes. É a
primeira menção que identifiquei à sua presença na festa de Matosinhos.
Está
por se fazer uma pesquisa nos arquivos musicais da cidade no sentido de
rastrear composições que eram usadas nas festividades de Matosinhos e
identificar os seus compositores e quiçá avaliar a possibilidade de sua volta.
Notícias orais falam de nomes afamados mas por ora não abordarei o assunto.
A música
se processava dentro do templo durante as missas e no adro como retreta, num
coreto que se armava diante da capela [4]:
Durante os tres dias das festividades religiosas tocarão, no espaçoso e
pittoresco largo de Mattosinhos, em vistoso e ornamentado coreto, 2 bandas de musica.
A parte musical dos actos religiosos está confiada á orchestra Ribeiro
Bastos.
Esse
coreto perdido no tempo, consta como bem patrimonial da capela de Matosinhos,
segundo lançamento de 1903 do tesoureiro Miguel Arcanjo da Silva.
Em
razão disso, na reativação de 1998, foi construído um coreto desmontável. Feito
em madeira [5],
destina-se às apresentações musicais da festa e assim tem servido a shows e grupos
folclóricos e bandas, além do serviço da locução geral. Fala-se na
possibilidade de construir um coreto fixo.
Tem
sido constante a presença de várias bandas à festa e da Orquestra Lira
Sanjoanense, esta sempre na missa solene, até 2007. Desde 1999 o Coral
Coroinhas de Dom Bosco, da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar faz a
parte musical de uma missa da festa.
3-
Barracas
A presença
das barracas é tão tradicional nesta festividade, que já no seu primeiro ano
surge uma notícia a respeito da necessidade de vistoria nos ranchos armados por
aquela ocasião, em 1774. Eram armadas à guisa de pequenas casas rudes, por isso
mesmo chamadas casinholas. Construídas em madeira, com amarrios de cipó ou
pregadas a cravo; com bambu e pita, cobertas com capim (sapé) ou palha de
coqueiro e chão de terra batida, essas construções provisórias e rústicas
alojavam tabernas, botequins, restaurantes, estalagens e mais tarde, bancas de
jogos.
Tornadas
tão tradicionais era costume os jornais afirmarem que elas davam a Matosinhos a
animação e o aspecto festivo. Em suma as barracas nunca faltaram às
festividades, não só as locais, mas as de tantos bairros da cidade. Tão comuns
foram as quermesses com as ditas barracas de comes-e-bebes, que se habituou
chamá-las genericamente “festas de barraquinha” e assim se tornaram afamadas as
barraquinhas das Mercês (defronte a igreja de Nossa Senhora das Mercês),
barraquinhas do Carmo (...), do Bonfim, de Matosinhos, etc.
A
recuperação da festa do Divino em 1998 atraiu de forma moderada os barraqueiros
de diversos locais – pois de fato andam com suas barracas de festa em festa.
Instalaram-se na praça. Ainda nesse ano e no seguinte, foram armadas também no
adro, estas com renda destinada à festa. A partir de 2000 já não foram mais
consentidas no adro, para nenhuma festa da matriz.
De forma rápida aumentaram
de número nos anos subseqüentes, vendendo comes-e-bebes. Algumas se
especializaram em toda sorte de quinquilharias, bugigangas, souvenirs, lembranças, penduricalhos...
Montam-se também parques de diversões, com suas camas elásticas, pula-pula,
carrossel, roda gigante, etc. Esse parque não foi consentido a partir de 2007.
Em 2003 surgem algumas bancas de jogos. Houve uma desavença por uma suposta
trapaça. No domingo seguinte, o mesmo banqueiro estava com sua armação no
jubileu da Santíssima Trindade (em Tiradentes) e lá teria causado igual
problema.
O
assunto preocupou os festeiros em Matosinhos, que na reunião de avaliação da
festa em agosto, decidiram não permitir qualquer banca de jogo para o ano
seguinte, buscando apoio policial se fosse necessário. Depois disso não houve
mais banca senão em 2008, quando apareceu uma roleta.
Outra questão levantada foi
coibir as barracas na parte frontal da igreja, porque a reforma dos trailers em 2003, substituídos por bares
de alvenaria montados como uma composição ferroviária causou o estreitamento da
via pública, gerando dificuldades de espaço entre as barracas e bares, para a
passagem do cortejo imperial e das procissões. Contudo o fim desse comércio não
aconteceu. Felizmente porém no apagar das luzes de 2008 o horroroso trem de
alvenaria foi demolido. Seguiu-se um reforma total da praça, inaugurada em
meados de 2010.
4- Cavalhada
Herdeira
das disputas medievais a cavalo, as justas de cavaleiros corajosos, as lutas
das cruzadas contra os povos islâmicos e da história de Carlos Magno e dos Doze
Pares de França, as cavalhadas expandiram-se pela Península Ibérica, de onde a
herdamos.
Há registros de sua presença
no Brasil desde o século XVI. Em diferentes formatações foi conhecida desde o
Amapá até o Rio Grande do Sul. Seu nome primitivo foi “torneio”, por vezes
ainda usado. A palavra cavalhada existe na língua portuguesa desde o início
século XVII. Procede do castelhano, caballada.
O termo porém só se torna corrente um século mais tarde [6].
Existem muitas formas de
cavalhada, passíveis da seguinte classificação em folclorística:
-
burlesca: profana. Os cavaleiros desfilam fantasiados e mascarados, com
hilaridade, fazendo brinquedos entre si e com os espectadores. Exemplos:
mascarados a cavalo na festa do Divino de Pirenópolis / GO; bandos montados
anunciando a festa de Santa Luzia em Quebrangulo/ AL, a do carnaval de Bonfim /
MG, etc.;
-
de cortejo: religiosa. Cavaleiros escoltam um mastro enquanto é carregado, imagem
em andor, Reis e Rainhas. Exemplos: em Cláudio / MG, cortejando o mastro na festa
do Rosário; em Serra / ES, acompanhando o pau que servirá para fazer o mastro
na cortada do mastro de São Benedito; os cavaleiros de São Jorge, espécie de
congado montado, do centro de Minas; cavalaria de São Benedito, em
Guaratinguetá / SP, etc.;
-
anunciatória: profano / religiosa. Função específica ou principal de anunciar uma
festa. Exemplo: cavalgada do Divino[7],
São João del-Rei / MG, etc.;
-
de argolinhas: profana. Constitui-se numa prova de destreza entre duas hostes, que
disputam o maior número de argolinhas de arame retiradas com uma lança, de uma
trave posta na pista, estando o cavalo a galope. Os participantes às vezes
configuram-se como personagens da História de Carlos Magno e os Doze Pares de
França. Existe no norte de Minas e nordeste do país. Também chamada “corrida
das argolinhas”;
-
dramática: é a cavalhada propriamente dita, ou cavalhada de mouros e cristãos,
porque representa uma luta entre
religiões (cristianismo X islamismo), herança histórica das guerras
santas, das Cruzadas. Os cristãos vestem-se de azul e sempre vencem. Os mouros
(muçulmanos) tem a cor vermelha nas vestes e adereços. Costuma agregar a
modalidade anterior como número final. Exemplos: Pirenópolis/GO, Taguatinga/TO,
Mateus Leme e Nova Lima/MG, Franca/SP, Guarapuava/PR, Santo Antônio da
Patrulha/RS, etc. Outrora houve na festa do Divino são-joanense e em diversos
outras festas do Espírito Santo Brasil afora. No século XIX existiu em
Conceição da Barra de Minas. Até a década de 1930 houve em Prados/MG e de sua
existência na vizinha Lagoa Dourada, restou o topônimo “Cruzeiro das
Cavalhadas”.
Como toda classificação,
esta também tem exceções e pontos de vistas, pelo que, não é absoluta, mas
relativa. No mais classificar não é o fundamental mas sim compreender o fato
folclórico. Mas de todas a que mais ficou célebre foi a dramática.
Era este o divertimento
favorito nos tempos de antanho nas festas consagradas à Terceira Pessoa da
Santíssima Trindade, em várias partes do país. Aqui não foi diferente. A
explicação baseia-se na origem histórica destas comemorações, de cunho europeu,
conservadas pelos ricos fazendeiros, que montados em cavalos especiais, com a
melhor arreata, ajaezados com primor, trajados com capas de veludo cravejadas
de toda sorte de aviamentos caros, chapéus emplumados, debruns e arminhos
formando valiosos detalhes – em suma, uma farda dispendiosa – cuja confecção
ficava distante da realidade financeira das camadas mais humildes da população,
que se limitavam a assistir, assim mesmo, discriminadas a um local reservado, como
aqui ocorreu em 1884, quando ao povo foi reservado o espaço debaixo da
arquibancada montada sob a forma de anfiteatro. A parte de cima ficou para os
aristocratas, que, ironicamente, refletindo o cotidiano, estiveram por cima do
povo.
No
citado ano o então memorável imperador, sr. Herculano de Assis Carvalho, não
mediu esforços para recuperar a cavalhada, que já se encontrava desaparecida.
Mandou terraplenar a praça do bairro e ali montou o curro, espécie de arena de
madeira, adornada com bandeirolas, flâmulas, galhardetes. O sucesso indubitável
de sua empreitada ficou atestado nas crônicas jornalísticas da época.
Sabe-se
que no ano anterior houve em Tiradentes uma cavalhada por ocasião da festa da
Trindade. É imaginável que isto possa ter influenciado os esforços do imperador
citado.
Independente das festas religiosas as cavalhadas em São
João del-Rei, como aliás acontecia nas velhas vilas coloniais, eram corridas
nos eventos cívicos. Dentre outros exemplos, pode-se recorrer à de setembro de
1795. CINTRA (1982) Nos dá conta sobre ela, dizendo que a câmara promoveu
pomposas cerimônias comemorando o nascimento de Dom Antônio, filho do
Príncipe-Regente Dom João e de Dona Carlota Joaquina. Dentre várias atividades
constou uma cavalhada no Largo de São Francisco “composta das pessoas mais hábeis e condecoradas desta comarca”.
5- Alimentação
Um costume
de procedência ibérica muito arraigado às festas do Divino era a distribuição
de alimentos aos pobres, sobretudo carne e pães. De alguma maneira foi mantido
no Brasil [8]:
A Gazeta de Notícias de
Campinas, em data de 24 de maio de 1874, assim noticiava a distribuição de
alimentos feita pela baronesa de Três Rios e pelo cunhado, Francisco Egídio de
Souza Aranha: ‘À sua porta, reuniu-se, pelas 8 horas da manhã, uma compacta
multidão que se acotovelava por todos os lados. Eram os pobres, os enjeitados
da fortuna, os pequenos de todos os tempos, que hão de confundir-se entre os
maiores nas horas do bodo celeste. Aí lhe fizeram os dignos festeiros, que assim
se compenetravam no verdadeiro espírito evangélico, a distribuição de 8 a 10
mil quilos de feijão; de carne de 18 reses; e de grande quantidade de sal,
farinha e lenha.
MOTA
(1986) testemunhou nos Açores: “ainda hoje, volvidos tantos séculos, é a abundância do pão, da carne e
do vinho, uma das características mais típicas e primitivas com bodos fartos
nos terreiros e adros das freguesias.” Também LEAL (1994) fornece
diversos exemplos sobre a importância dos comes-e-bebes nas festas do Divino
portuguesas, das ilhas e continente. Surgem de forma ritualizada, muito
tradicional no seio da comunidade, como verdadeiro alimento cerimonial. Na
verdade é a bem dizer o ponto alto das festas. Esta doação de alimentos aos
carentes faz lembrar a influência caridosa da rainha Santa Isabel, nos
primeiros festejos em Alenquer.
Não há
muita referência sobre a comeizama nos festejos pretéritos em São João del-Rei.
Havia distribuição de carne aos necessitados.
Na festa atual, a nota de
destaque é para a comida ofertada aos dançantes, sábado (à noite) e domingo
(café da manhã e almoço; informalmente também surge um lanche à tarde quando há
suficientes sobras intocadas do desjejum). No café chama atenção a quantidade
de pães e variedades de biscoitos, broas e bolos.
O alimento hoje é uma das
prioridades. É recolhido por doação junto aos moradores do grande bairro. O
arroz provém desde a festa de 1998 de farta doação específica de uma
distribuidora gaúcha, com filial na cidade, graças à sensibilidade do sr.
Laurindo Perinazo. O macarrão também vem de uma marca comercial específica,
direto da fábrica.
A equipe cuida sempre de
garantir uma alimentação abundante e de qualidade, recordando a origem agrícola
da festa, na comemoração das colheitas.
Devido ao crescimento
espantoso do jubileu, a necessidade de alimentar é cada vez maior. Para
exemplificar sua dimensão listo o consumo aproximado das 3000 refeições
servidas no almoço de 2007, segundo cálculos dos festeiros, gentilmente cedidos
pelo então imperador, Antônio da Silva Serpa: arroz – 95kg, feijão – 45kg,
carne moída – 75kg, macarrão – 60kg, batata – 60kg, cenoura – 1 caixa (cerca de
20kg), alface – 4 caixas, repolho – 2 caixas, farinha, ovo e tomate - não
calculados, refrigerante – 360 litros. Em 2010 foram 3500 refeições.
6- Danças folclóricas diversas
O folclore foi no passado algo profundamente
discriminado, do que até hoje existe uma resma. No século XIX e começo do XX, a
visão que dele se tinha na sociedade era a de uma prova de atraso intelectual,
reprovado como marca de primitivismo, pobreza, involução. Se as danças então
tinham uma origem africana, eram ainda mais reprovadas, tidas como costume
bárbaro.
Devido a esta idéia
equivocada é que não se falava em folclore. Embora já existisse, ninguém
“perdia tempo” em escrever sobre esse tema nos jornais. Nossas danças de raiz
eram consideradas divertimentos da ralé.
No último quartel do século
XIX, muito modestamente, com o surgimento dos primeiros estudiosos interessados
no assunto, começaram a aparecer algumas notícias da cultura popular. São porém
superficiais, desprovidas de uma metodologia científica.
Por esta questão não é hoje
possível precisar com exatidão quais manifestações folclóricas estavam contidas
na festa do Divino e até que ponto eram apenas apresentações ou de fato,
participações efetivas.
Uma importante referência de 1877 permite constatar
que se formavam ambientes paralelos dentro da mesma festa. De um lado, as
camadas mais abastadas se divertiam com danças importadas da Europa (valsa,
polca) e de outro, a “súcia folgasã”, reunida numa casinha, praticava danças nacionais, “sapateadas ao som de
requebrada viola”. O autor daquele texto, poeticamente contrastou os estratos
sociais. Essa expressão “danças sapateadas” é sintomática da presença de um
cateretê ou de um recortado; ou mesmo de um batuque de viola e/ou cana-verde,
todos encontráveis por aqui antigamente.
7- Dança dos Velhos
Uma menção de 1883 enumera a
dança-de-velhos ou dos-velhos [9],
entre as atrações daquele ano. Em 1885 um jornal lastimava a sua ausência, bem
como a da dança-das-fitas, a da cavalhada e a da tourada.
A dança-dos-velhos era uma
contrafação às danças de salão que a aristocracia praticava. O povo motejava os
nobres, com mesuras, gatimonhas, salamaleques, arremedando as danças finas.
Mascarados, com bengalas, cartolas, barbas postiças de algodão, óculos tipo
luneta, casacas, senhoras de cóquis e xales, etc., em duas filas, uma de
“velhos” outra de “velhas”, entravam em cena num andar capenga, coxos, aos
arrastos, sofrendo tremuras, ao som de música quase fúnebre, que de repente se
irrompia em ritmos acelerados, muito vivazes, que de imediato os velhos se
esquentavam em requebros inimagináveis para quem há pouco entrara em cena
mancando. E daí dançavam vários ritmos.
Vale ainda dizer que os
dançantes eram em geral todos jovens fingindo-se idosos. Seu lado irreverente
estava na imitação de fidalgos, mas com calçados desemparceirados. Alguns
grupos dançavam mascarados, resguardando a identidade do dançante. As velhas
eram por vezes representadas por homens travestidos.
Foi registrada em Goiás,
Bahia (vale do São Francisco), São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais,
conforme Dom Pedro a assistiu quando de sua visita a este estado. Debret a viu
dançada por negros em 1816 no Rio de Janeiro o que salvo engano é seu registro
mais antigo. No mesmo século Melo Morais Filho registrou-a ainda no Rio, justo
numa festa do Divino e é bem plausível (mas ainda não provado), que é de lá que
a tenhamos recebido, via Caminho Novo (Estrada Real). Enfim a corte ali se
situava.
O fim das danças de salão e
as mudanças de costumes desapareceram com essa manifestação. Por outro lado
ABREU (1999) relatou que no Rio de Janeiro a partir da década de 1820 as danças
em geral, inclusive esta, sofreram muita pressão a favor de seu
desaparecimento, pois só podiam se apresentar mediante licença dos vereadores e
sofriam perseguição policial. As medidas repressoras visavam “civilizar” a
então capital do país.
Hoje é muito rara. Em Minas
Gerais, MARTINS (1986), informa sobre sua presença na região de Ervália (Zona
da Mata). Contudo um mapeamento efetivado mais tarde por GIOVANNINI JÚNIOR
(2001) já não a mencionou mais naquela área. Persiste ativa numa comunidade
quilombola na região de Ituberá, Bahia (2009).
8 – Dança das Fitas
Dança-das-fitas, dança-do-pau-de-fitas, pau-de-fitas, trança-fitas e
trancelim, são alguns nomes dados a uma dança espalhada pelo Brasil e por
vários países da América Latina. Com algumas modalidades, basicamente o grupo
de crianças, adolescentes ou mesmo adultos, dança em redor de um pau reto e
altaneiro, posto na vertical, em cujo topo estão presas diversas fitas longas,
que tem o outro extremo pendente. Cada dançante tomando uma ponta de fita,
dança ao redor do madeiro, trançando as fitas de forma ordenada, de tal sorte
que formam um entrecruzamento de interessante efeito visual. Os movimentos são
muito graciosos e mudam o desenho da trama das fitas conforme a coreografia.
De origem européia
remotíssima, a dança-das-fitas rememora a árvore de maio (ver mastros),
em torno da qual dançavam os aldeães.
Dois grupos se apresentavam
até 2000. Nos demais anos apenas um deles, o do próprio bairro, até 2007, ano
da última apresentação e da seguida desativação do grupo.
9- Contradança
Palavra
vaga, de plausível procedência inglesa: country
dance, traduzida por “dança do campo”, da zona rural. É portanto um termo
muito genérico, empregado para as danças executadas em fila dupla, frente a
frente. Com a Guerra dos Cem Anos, entre França e Inglaterra, os franceses se
familiarizaram com a country dance;
absorveram-na, afrancesaram seu nome (contre
dance), aproximando-a da famosa quadrilha, sabidamente francesa, em passos vis-a-vis. Passada a Portugal teve logo
o nome aportuguesado (contradança) e de lá chegou ao Brasil. Aqui tanto
designou danças específicas como a própria quadrilha em si, mas conservou a
característica de ser dançada em duas filas paralelas [10].
Como
tal, tornou-se conhecida em diferentes modalidades em Poconé (MT), Pirenópolis
(GO), Jaraguá (GO), Vila Velha (ES) e várias localidades mineiras [11].
Em 1899 uma nota de destaque foi dada em São João
del-Rei pela presença de um grupo de contradança, sob a responsabilidade do
farmacêutico Desidério Nepomuceno da Silva Rodarte, à época, secretário da comissão
de festeiros. Há uma rua batizada com o seu nome no centro da cidade, entre o
Barro e a Bica da Prata. Empreendeu esforços extraordinários em favor dessa
festa.
As informações que doravante
apresento, só foram possíveis alcançar, graças à sensibilidade do sr. Roberto
Bôscolo, o qual permitiu-me acesso ao material deixado pelo afamado
farmacêutico em sua residência, à Rua Balbino da Cunha, com o consentimento de
seus familiares, aos quais estendo meus sinceros agradecimentos.
Consta num caprichoso caderno
de anotações, os passos (coreografia e pé-de-dança) em detalhes. Informa o
manuscrito que o próprio organizador foi também o seu criador: “Marcas de contradança rocambole e as galés
de Toulon escripto por Desiderio N. da Silva Rodarte. Escripto especialmente
para os amadores de contradança snrs. José d’Assis & Comp. Executado a 22
de maio de 1899 em Mattosinhos”.
Organizado sob a forma de
uma suíte de danças, reunia diversos números coreográficos, assim denominados
(pela ordem da caderneta):
1ª parte:
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3ª parte:
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1ª - 1ª - Polka – M. José e Conceição
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9ª - 3ª - Quadrilha – J. Custodio
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2ª - 1ª - Valsa – A. Ramos
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10ª - 2ª - Polka – Conceição e Ma. José
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3ª
- 1ª - Schottisch – M. Eugenia
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11ª - 1ª - Bailado Hespanhol – B. Justo
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4ª - 1ª - Quadrilha – J.Custodio
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12ª - 2ª - Valsa – A.Ramos
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2ª parte:
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4ª parte:
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5ª - 1ª - Mazurca – J. Assis
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13ª - 1ª - Lanceiros – Herminia Rodarte
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6ª - 2ª - Valsa –
A. Ramos
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14ª - 3ª - Schottisch – M. Eugenia e Dorica
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7ª - 2ª - Schottisch - Tonica
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15ª - 4ª - Valsa – A. Barros
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8ª - 2ª - Quadrilha – J. Custodio
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16ª - 4ª
- Quadrilha
prussiana
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Entre
as partes, previa o regulamento intervalos de 15 ou 30 minutos.
O
índice traz detalhes da entrada ao som de dobrado, as bandeiras (hino), as
peças dançantes, inclusive a dança-do-rocambole e um curioso “schottisch
bahiano”, que suponho fosse já o nosso xote, ou seja, abrasileiramento da dança
original européia.
Sua
contradança aliás, reunia diversas danças européias que foram introduzidas no
Brasil em meados do século XIX e estavam ainda muito em voga ao seu tempo.
Chegaram como danças palacianas e da alta sociedade, mas logo caíram nas graças
de todas as classes sociais. Nos bailes populares não faltavam e muitas
composições foram feitas aproveitando seus ritmos. O brasileiro soube
adaptá-las à nossa musicalidade. Desidério Rodarte alcançou o êxito de saber
reunir esses ritmos todos num arranjo harmonioso.
O
rocambole sabe-se que era uma modalidade da quadrilha também dançada na vizinha
cidade de Prados, onde ainda é executado e tem registro musical. Talvez tenha
registro também em São João del-Rei o que é de se pesquisar. A movimentação
encaracolada lembra as voltas de um rocambole (refinado pão-de-ló coberto por
açúcar-de-confeiteiro e recheado de doce-de-leite).
Os esforços desse farmacêutico são
dignos de elogio, promovendo a contradança, marca importante na festa do
passado.
10- Deslocamento populacional
Consta que os fiéis vinham
de longe, a pé, a cavalo, de charrete e similares, em liteiras [12].
Famílias inteiras viajavam em carros de boi e mais
tarde, nos trens, que chegavam lotados na estação Chagas Dória e ainda mais
tarde, em automóveis. Os jornais trazem provas abundantes da grande
movimentação ferroviária que se estabelecia em Matosinhos, trazendo os
romeiros.
Esta movimentação atingiu uma tal
cifra que o esvaziamento da cidade (já que a população vinha quase toda para
Matosinhos acompanhar os festejos), era capaz de fazer com que se cancelassem
espetáculos no Teatro Municipal (situado no centro da cidade), por falta de
público. Dentre outras ocasiões, tome-se por exemplo, o adiamento da encenação
da peça Milagres de Santo Antônio, pela companhia teatral do sr. Azeredo Leite,
em 1877 [13] e
o fracasso da estréia da Companhia de Zarzuellas e Japoneza [14]:
“como era de prever, foi a estréa desta
companhia pouco concorrida após as concorridas festas em Mattosinhos, onde
esteve esta cidade durante quatro dias e quatro noites”.
A urbe ficava ainda sob a
sanha de ladrões, pela facilidade do roubo. O ajuntamento popular no subúrbio,
expunha as pessoas à fragilidade. Veja-se a respeito, esta citação encontrada
pelo pesquisador ADÃO (2001) [15]:
nestes dias de
festa de Matosinhos em que as ruas ficam desertas e as casas no desamparo, nada
de jóias, nem de valores em dinheiro expostos aos dedos rápidos e amestrados
dos batedores de carteira profissionais (...) o
direito não favorece aos que cochilam.
E por falar nisso, o imenso movimento trazia enorme
arrecadação, cuja lisura na prestação de contas deixava por vezes a desejar [16]:
Não tem fim
realmente as “belezas” da administração Odilon, Viegas e Cia. (...) As festas de Mattosinhos fizeram entrar, agora, para os cofres
municipaes, a quantia de 5:875$000 (...)
só foi registrado na escripta da Camara a importancia de 150$000. É edificante!
O valor de cinco contos e oitocentos
e setenta e cinco mil réis é impressionante, uma pequena fortuna. Um conto era
um milhão de réis. Serve de testemunho do movimento festivo, que se fosse
pequeno não poderia a renda chegar a tal cifra.
Os antigos jornais foram pródigos em emitir
expressões quantitativas dessa multidão que se deslocava da cidade para o
bairro. Elas servem hoje como índice do prestígio da festa para a população
são-joanense. Para exemplificar, selecionei as seguintes expressões, pinçadas
de diversas páginas jornalísticas, todas transcritas no anexo deste volume:
-
festejos legendários;
-
apreciadas festas;
-
a cidade movimenta-se toda;
-
concorre sempre a cidade em peso;
-
a cidade se acha sepultada em profundo silêncio;
-
numerosíssima concorrência de povo;
-
o povo acotovelava-se pelas ruas;
-
a onda de povo cresceu despejada pelos trens
sucessivos;
-
o povo em massa descia;
-
verdadeiro êxodo de famílias da cidade para ali;
-
o povo enchia a igreja e ao mesmo tempo todos os
botequins;
-
ampla e garrida multidão;
-
um sem número de romeiros e devotos das redondezas e
de longe;
-
os trens da Oeste não cessavam dia e noite de
transportar concorrentes;
-
para mais de 5 mil pessoas atufavam a praça;
-
grande concorrência de povo;
-
os trens da Oeste despejavam lufadas de povo;
-
movimento de transladação de diversas famílias (...) passam a
residir no pitoresco arrabalde;
-
concorrida por quase todas as famílias da cidade;
-
trens regurgitavam passageiros;
-
grande ajuntamento;
-
enorme concorrência popular.
Como dado complementar basta lembrar que em 1917 a
bilheteria ferroviária vendeu 17.000 passagens durante a festa, do Centro para
Matosinhos. Nada menos que 42 trens, rodaram da cidade para o bairro, durante
os três dias festivos.
Em 1923, motivado pelo grande movimento previsto,
instalaram pela primeira vez em Chagas Dória, serviço de roletas, para
facilitar o embarque [17]:
(...) “no acto da entrada, que será pelos
portões, onde serão adaptadas registradoras automaticas, duas borboletas,
installadas exclusivamente para esse serviço, ficando assim dispensados os
bilhetes”.
Nesse mesmo ano foi inaugurado o serviço de ônibus
urbano na cidade. Um só veículo, aberto nas laterais (“jardineira”), fazia o
transporte por 200 réis, a partir da estação ferroviária do Centro para diversos
pontos: São Francisco, Tijuco, Fábricas, Centro, Matosinhos. O itinerário foi
noticiado na imprensa, acompanhado pela seguinte observação [18]:
“poderá ser modificado de accordo com o
estado das ruas”.
No mês seguinte à inauguração do serviço, um jornal
noticiou [19]:
Auto-omnibus.
Vae funccionando, com grande concorrencia, o auto-omnibus, recentemente
inaugurado nesta cidade, ao qual o povo cognominou “grisú”, por ter sido o
respectivo carro adquirido da empresa Grasse, de S. Paulo, cuja marca,
apagadamente escripta, se prestou a essa cognominação.
Uma notícia jornalística elogia o êxito da atividade
do “auto-omnibus” recém inaugurado e anuncia que em breve mais um desses
veículos, ora fechado, estaria em atividade, fazendo linha do centro a Chagas
Dória [20].
Uma notícia que correu então foi a seguinte [21]:
“O sr. Severo de Araujo está também em
negociações com a empresa de auto-omnibus de Barbacena, para que, nos tres
dias, [de festas] possam funccionar
cinco carros, para conducção de passageiros áquelle arrabalde”.
Para a missão e festa daquele ano, a novidade
obrigou a câmara a reparar completamente a estrada de rodagem para Matosinhos.
Por ela passaram “grande número de
automoveis e o omnibus conduziu, nos nove dias, 1.812 passageiros, de ida e
volta” [22].
Com o movimento extra, antes inimaginável, o
delegado de polícia, Dr. Archimedes Camisão, se viu obrigado a tomar
providências [23].
A ordem que expediu em edital pela pena do escrivão Abrahão de Paula Moura foi
profética, prevendo que o trânsito de Matosinhos seria caótico. Regrou o
tráfego de ida e volta ao bairro, estabelecendo fiscalização e a aplicação de
penalidades e multas ao motorista infrator. Ainda assim, houve um acidente,
embora que de pequenas proporções, sem gravidade, envolvendo o motorista do ônibus,
João Antônio de Aquino [24].
11
– Personagens
Chamo
“personagens” aos elementos humanos incluídos na estrutura folclórica da festa,
tais como capitães, mordomos, juízes, etc. Uso o termo “cargos” para indicar em
paralelo, os da estrutura administrativa, como conselheiros, secretários,
tesoureiros, etc. Em algumas situações a mesma pessoa pode ter um cargo e ser
um personagem.
Esta
diferenciação subjetiva adotei para efeitos didáticos, visando o festejo
moderno porque no antigo as duas condições de certa forma se confundiam.
Na
verdade a festa abarcava um grande número de cargos/personagens, que permitia a
participação de várias pessoas em diferentes funções. A maioria tem procedência
portuguesa e sobretudo açoriana. Surgem assim noutras festas do Divino Brasil
afora e nas da Santíssima Trindade, conforme ocorria na vizinha cidade de
Tiradentes. A respeito desta, vale conferir a relação seguinte[25],
excluída a longa lista de nomes. Os juízes são sempre aos casais:
Pauta dos Mesários da Confraria da Santíssima
Trindade para o anno de 1927
Império: Imperador, Imperatriz, Alferes da Bandeira, Pagem do Estoque,
Procurador dos Pobres, Esmoler-mor;
Mesa Administrativa: Presidente, Vice-Presidente, Secretário,
Síndico, Procurador; Irmã Presidente, Irmã Vice-presidente, Vigário do Culto
Divino, Vigária (sic) do
Culto Divino, Mestra Assistente, Irmã Enfermeira, Zeladoras;
Juízes e Juízas: do Divino Espírito Santo, Senhor Bom Jesus de
Matosinhos, Nossa Senhora das Dores, São José, São João da Matta, Nossa Senhora
do Carmo, Santo Antônio, Menino Jesus.
Mordomos ...
João Trindade Nascimento - Secretário - 31/12/27
Notar
a presença de cargos consagrados ao Divino Espírito Santo e Senhor de
Matosinhos[26]. O imperador foi
o Padre João Theodorico Vellozo. Na verdade, comprovam antigas notícias
jornalísticas, o Jubileu da Santíssima Trindade era muito parecido às antigas
festas de Matosinhos, mas como aquelas, sofreram grandes mudanças ao longo dos
anos razão para um estudo específico.
Na
verdade há indícios de que as festas dedicadas ao Espírito Santo são capazes de
influenciar outras festividades diversas mas também não é assunto para essas
páginas [27].
A
seguir passo em breve revista alguns personagens do passado e da atualidade.
- Açafatas: duas meninas com vestidos
domingueiros, de arco enfeitado ou capela à cabeça. Acompanham o último casal
real, logo à sua frente, trazendo cada qual um cestinho ou pequeno balaio,
cheio de pétalas de flores e papel colorido picado. No instante da chamada, são
conduzidas ao altar e sob o canto do moçambique lançam pouco a pouco com as
mãos, o conteúdo dos cestos sobre a imagem do Divino, a essas alturas, já
montada no andor e exposta no presbitério à veneração dos fiéis. Assim encerram
sua participação. Sua última presença foi em 2004. O termo açafata significa a
“moça do açafate”, ou seja, a que o carrega. Açafate, do árabe açafat, é um cesto raso, circular ou
ovalado, largo, sem alça ou tampa. As açafatas nas cortes reais eram serviçais
das rainhas, carregando junto delas pertences pessoais.
-
Capitão de Coroa: o mesmo que capitão-reiseiro. Título do capitão de
congado responsável por “puxar a coroa”, ou seja, escoltar o imperador ou o
rei/rainha. Sua guarda é sempre a última do cortejo, a que vai mais próxima da
coroa. Pela tradição é um moçambiqueiro. O sr. Luís Maurício, de Passa Tempo,
foi nomeado como tal em 17/04/2001.
-
Capitão de Honra: título do capitão que recebe os demais na entrada do
adro, com uma bandeira à mão, do Divino ou do Rosário. Dá as boas-vindas em
nome dos festeiros. O sr. Luís Santana, desta cidade, foi assim nomeado em
11/04/2000. Com o seu falecimento em 04/11/2002 a função ficou vaga.
-
Capitão de Mastro: desde 1998 é o sr. Raimundo Camilo. É o capitão de
congado com a função de levantar e baixar o mastro do Divino e o de Santo
Antônio, os principais da festa. Zela pelas firmezas desses mastros e cuida de
todo o ritual, assistido de perto pelos capitães-meirinhos.
-
Capitão-meirinho: indivíduo festeiro ou não, capitão de congado ou não,
mas com o conhecimento da capitania da uma guarda. Responsável pelo andamento
de todos os rituais folclóricos da festa, controlando a movimentação dos
grupos, ordem hierárquica dos cortejos e sua harmonia, firmezas em favor da
festa como um todo, coordenação das atividades. Convida ou indica pessoas de
confiança ou outras apropriadas para exercerem funções na estrutura folclórica
ou assumirem papel de um determinado personagem, levando os nomes ao parecer da
comissão. De 1999 a 2005 foram capitães meirinhos Damião Guimarães e Ulisses
Passarelli.
-
Capitão-mor: título honorário renovado a cada ano, dado a um capitão de
congado de destaque na festa, não cabendo nenhuma função especial por ser tal
personagem. De ordinário recebe um presente da comissão. Foram os seguintes:
1998 - Luís Santana (São João del-Rei); 1999 - José Francisco Sales, o “Faixa
Preta” (São Gonçalo do Amarante); 2000 – Raimundo Marino da Silva, o “Raimundo
Camilo” (São joão del-Rei); 2001 – José do Rosário Anacleto, o “Zé Carreiro”
(Coronel Xavier Chaves). Daí por diante não houve mais esses personagens.
-
Imperador: personagem máximo da festa, eleito para o mandato de um ano.
Sua popularidade outrora foi tamanha que diz CASCUDO (s/d), influenciou Luís
Bonifácio a escolher o título de imperador para Dom Pedro em vez de rei, porque
o povo já estava bastante acostumado a aclamar o imperador do Divino. Some-se a
isso o ideal político que o título conferia ao governante, condizente com as
pretensões imperialistas ainda vigentes. A verdadeira função varia conforme a
região: 1) é o festeiro principal, o faz-tudo, o principal agente executivo do
evento; 2) é um mero figurante honorário, o mais importante aliás, competindo a
uma comissão de festeiros a promoção da festa. Entre estes dois pólos paira a
situação intermediária, da qual ele é membro ativo mas não necessariamente o
coordenador geral. Ajuda como os outros festeiros e no dia maior se destaca
recebendo as honrarias imperiais. É assim que hoje ocorre em São João del-Rei,
sempre com um adulto. Em muitos lugares o imperador é um menino. Ensina ABREU
(1999) que nos meados do século XVI começaram a surgir na Europa oposições aos
reinados cristãos, impondo-lhes limites. É quando crianças começam a ser
coroadas em vez de adultos, “o que
expressaria o enfraquecimento político e simbólico dessa prática medieval”(p.
40). Um programa da festa da Santíssima Trindade de Tiradentes prevê o cargo de
imperador (Tenente Antônio de Pádua Falcão)[28]. Em São João del-Rei o
processo de escolha noutros tempos era por sorteio dos nomes plausíveis, o que
alhures se chama “pelouro”. Hoje é um processo eletivo interno, restrito à
comissão de festeiros, que indica os nomes, aprecia-os em assembléia e faz o
convite formal. Uma vez sendo aceito, o nome assim eleito se torna público.
Alguns festeiros se tornaram imperadores e entregue a coroa, continuaram
festeiros. Outros não eram da comissão e entregue a coroa, ingressaram nela
oficialmente. O cargo de imperador era o mais ambicionado, pela projeção que
dava ao indivíduo no seu círculo social. Assim sendo, em muitos lugares
políticos queriam e querem ser imperadores. O cargo pode assim servir de
trampolim. Por outro lado os próprios festeiros antigamente visavam convidar
ricos senhores do comércio, grandes latifundiários, nobres, oficiais militares,
almejando a doação em dinheiro para a festa e seu ganho em status social. A escolha do imperador gerava assim críticas dos
mais conscientes, pois o interesse pelo lado financeiro chegava a ser gritante [29]:
“consta que na urna em que se achavão os
nomes dos que a sorte tinha de designar para Imperador do Divino estava o de
Teophilo de Barbosa Peçanha... É incrivel! Hoje em dia não se pode ver ninguem
com dinheiro!” O imperador agora se veste na festa de terno completo. Ficam
sob sua responsabilidade as insígnias do Divino: cetro, coroa e salva (espécie
de bandeja circular com base em forma de pedestal), confeccionadas nessa cidade
pelo artista prateiro João Bosco Chaves. São as insígnias tradicionais herdadas
da tradição ibérica e que remetem de imediato ao simbolismo do poder, antevisão
de um monarquismo fictício. Mais recentemente foi adotada uma faixa e uma capa
bordada, ambas de veludo vermelho. Ganhou em 2005 uma arma, o estoque,
fabricado pelo artista local, “Xerife”. Nas festas de 2005 em diante foi
evidente a personalização que os imperadores imprimiram à cerimônia de
coroação. Este fato mostra-se positivo de um lado, pois retira um pouco da
aspereza da intensa formalidade característica do momento, negativo por outro,
pelo risco de logo ou num futuro de médio prazo surgir um cerimonial que saia
da sintonia da proposição da festa, com desnecessária dramatização. Digo isto
porque esta tendência já foi revelada. Em 2009 foi tentada com êxito uma
coroação mais prática, com menos detalhamento o que foi muito positiva, com a
participação dos ex-imperadores.
-
Imperatriz: personagem da festa antiga, companheira do imperador. Era
escolhida entre a casta abastada da sociedade e recebia as mesmas honrarias. Em
1923 foi imperatriz a sra. Antônia de Araújo Simões [30].
A imagem do Divino de Matosinhos tem dois cetros de madeira cruzados sobre a
pombinha. Suponho se tratar de simbolismo que represente o imperador e a
imperatriz. Não foi resgatada na remodelação de 1998. Há estudiosos que
interpretam a presença do imperador e da imperatriz como evocações de Dom Diniz
e da Rainha Santa Isabel.
-
Reis, Rainhas, Príncipes e Princesas: personagens herdados das festas
do Rosário, tão arraigadas a essa região. Para aquela festa tem o mesmo valor
simbólico do imperador para as do Divino. Inseridos nesta última, tornaram-se
um grau abaixo dele, não em valor ou dignidade, mas não sendo esta a sua festa
própria, a equivalência se desequilibra e o imperador centraliza as atenções.
Vi em 2003 uma cena de extrema humildade da parte de um rei e uma rainha,
vindos de Belo Horizonte, que, no império, diante do imperador, embora tendo
igualmente as cabeças coroadas, se curvaram diante dele, numa vênia muito
respeitosa e tomando sua mão, a beijaram. A cena admirável passou despercebida
por muita gente mas não tendo sido feita por exibição, demonstra a dignidade
dessa gente que tem mais realeza que muitos governantes. Resta dizer que a
presença do reinado no jubileu do Divino é uma concessão de homenagem, tendo
sido excluída a partir de 1999 a sua cerimônia de coroação e posse, considerada
exclusiva das festas do Rosário, o que poderia representar uma
descaracterização. De 2005 a 2007 foi possível organizar todo o reinado em fila
dupla, homens à esquerda, mulheres à direita, seguindo imediatamente à frente
do imperador e sua guarda imperial, todos escoltados pela imensa massa
congadeira, colorida e musical, o que figurou como integração entre duas festas
tradicionais e de peso. Não me espanta, pois, que um capitão perceba essa
harmonia e satisfeito a cante em versos assim [31]:“Viva o rei! Viva a rainha! / Viva o seu
ministério! /Viva o Divino Espírito
Santo! Viva todo o seu império!”.
-
Juízes(as): dizem que quando a Igreja e o Estado eram unidos, a
participação dos magistrados era de praxe e sempre havia as vênias costumeiras.
Com a laicização o representante do judiciário se afastou e criaram-se
personagens figurativos, substituíndo-os. Com títulos honorários os juízes
tornaram-se personagens tradicionais em várias festividades católicas, não só
as do Divino e as do Rosário. Em algumas, a quantidade deles chega a ser
admirável, costumando-se nomeá-los sob o padroado desse ou daquele santo:
juízes de Nossa Senhora da Boa Morte, juízes do Menino Jesus de Praga, etc.
Neste jubileu o juizado folclórico tinha até por volta de 2005 duas categorias:
uma que não era escoltada pelos congados, vinha com o título de juízes do
Divino Espírito Santo e juízes de Santo Antônio; outra, sob escolta congadeira,
nominada juízes de manto, vara e ramalhete. No primeiro caso recebiam em sua
residência cartas-convite, nomeando-os como tais, convidando-os para a festa e
solicitando-lhes uma espórtula. No dia em que os donativos eram recolhidos em
suas casas pelo coordenador do juizado, recebiam também o informativo contendo
a programação para assistirem a festa com a família. Na hora da festa em si não
recebiam nenhuma atenção especial. Já a segunda categoria era convidada via
carta a comparecer no dia maior no salão comunitário de Santo Antônio, de onde
eram recolhidos juntamente com o reinado pelos congados. Vinham vestidos de
branco, sem coroa, perfazendo um casal para cada título. Os juízes de manto
carregavam uma pequena peça de veludo, bordejado de galão dourado, dobrado
sobre o braço. No momento da chamada (eram os primeiros a serem chamados),
entregavam os mantos ao coordenador do reinado que os estendia sobre o altar e
sobre eles depositava todas as ofertas; os de vara seguravam varas enfeitadas
com fitas, flores, pombinhos alegóricos; os de ramalhete (ou de flores como se
diz em certos lugares), ofertavam um buquê. Além das respectivas insígnias
havia uma oferta em dinheiro. No presente só é adotada a primeira categoria,
ora simplificada em seu nome apenas para “juízes”. Em 2004 e 2005 surge o juiz
de mastro, assumido pelo sr. Luís Pereira dos Santos, um auxiliar dos rituais
de levantamento. Há por fim os juízes de prendas, pessoas especialmente
escolhidas para coletar prendas em favor da festa, em diferentes bairros. São
nomeados por carta. Em 1999 foram: João Batista de Ávila Filho (Caieira) [32],
Geraldo Quirino da Silva (Cohab e Maquiné), Maria Auxiliadora Mártir (Bairro
São Dimas), Maria Auxiliadora da Cunha (Centro), Luciléia Braga (Centro), Maria
de Lurdes Moreira (Santa Cruz de Minas: Centro, Terra Arada, Cascalho e Caixa
d’Água), Maria Aparecida de Salles (Santa Cruz de Minas: Córrego), Mário
Calçavara (Fé e imediações). Com o fim dos leilões não foram mais convocados.
Contudo o sr. Mário Calçavara por uma concessão prosseguiu na tarefa pelo que
persiste ainda hoje, ajudado desde 2004 por Lucas de Carvalho (Tijuco e
povoados da Trindade e Mumberro).
-
Mordomo da Bandeira: responsável por levar uma bandeira do Divino,
destacada das demais na confecção, ao centro das procissões, seguido por duas
filas de porta-bandeiras. Desde 1999 que exerce essa tarefa com devoção
inabalável e perene simpatia, o sr. Mário Calçavara, agricultor e tradicional
folião do povoado do Fé, a despeito da distância de sua moradia, sua idade
avançada e das dificuldades impostas pela saúde na sua locomoção, tendo se
tornado figura emblemática e exemplar da festa.
-
Mordomo da Coroa: ou mordomo-régio. Ativo de 2000 a 2005, representado
pelo açougueiro Josino Inácio do Nascimento (“Jota”). Seu neto Jonathan Melo
dos Reis o acompanha como pajem.
-
Guarda-coroa: ou mestre de campo. Figurante trajado de branco, com
casquete e colete vermelhos, com detalhes dourados, portando espadas. Fazem a
guarda do cortejo, dois à dianteira, como abre-alas, e dois na retaguarda,
fechando, sempre de espadas cruzadas. Por vezes um quinto vem dentro do quadro,
ladeando o imperador, de espada em riste. Em 2009 alguns armados com lanças.
-
Guarda de Honra: meninos e meninas com roupas vermelhas muito
enfeitadas, que circundam o imperador no cortejo e procissões, carregando o
quadro de varas e pequenos ramalhetes. Em Santa Catarina surge de forma
semelhante, como demonstrou Lélia Nunes [33]:“A Corte Imperial, formada por Imperador,
Imperatriz (crianças ou adolescentes) e um conjunto de seis a oito pares de
crianças que desempenham o papel de damas e pajens, todos ricamente vestidos em
trajes de época.”
-
Meirinho: auxiliares dos capitães-meirinhos, por eles convidados,
ajudando nas tarefas as mais diversas.
-
Procurador da Festa: personagem extinto. Talvez fosse o executivo mais
importante, com funções de presidente da comissão de festeiros. Havia um para
cada dia festivo. Eram renovados a cada ano.
-
Procurador dos Pobres: personagem da festa antiga, responsável por
angariar esmolas e carne para distribuir aos necessitados durante os festejos.
-
Mordomo da Capela: personagem desaparecido, cuja função era obter a
cera necessária para a confecção das velas que iluminariam a capela, ainda no
tempo que não havia luz elétrica.
-
Caudatário: espécie de pajem que acompanhava a imperatriz, segurando a
barra de seu longo vestido de cauda, para não arrastar pelo chão.
-
Pajem do Estoque: fâmulo que acompanhava o imperador, equivalente ao
caudatário para a imperatriz. O nome procede do estoque, espada de lâmina reta,
de três ou quatro quinas, sem corte, que fere pela ponta (daí a palavra
estocada, estocar – furar com lâmina). O estoque real é “insígnia que o condestável do reino tem na mão na presença do rei em
atos solenes”, esclarece o Caldas Aulete. O pajem do estoque foi
restabelecido a partir de 2003, representado por um garoto de cerca de dez
anos, ricamente trajado em veludo, com aviamentos dourados; chapéu tricorne com
revestimento idêntico. Carregava a salva. A partir de 2005, uma almofada do
mesmo veludo e com iguais atavios, sobre a qual carrega o estoque,
especialmente confeccionado por “Xerife”. Em 2008 e 2009 não foi visto na
festa. Como curiosidade informo que em São Sepé/RS, segundo estudo de CÔRTES
(1987), o pajem do estoque tem função muito diversa da acima apontada: é o
indivíduo responsável pela estocagem das prendas.
-
Zelador do Império do Divino: até 2005, o responsável por montar e
enfeitar a tenda sob a qual se abriga o imperador quando na saída do cortejo
imperial.
12- Iluminação
O que hoje parece muito natural e até desnecessário comentar, foi contudo no passado ponto de grande atração.
Os velhos jornais sempre comentavam sobre a iluminação planejada pelos festeiros. Antes da luz elétrica providenciavam lanternas sustentadas por combustível rústico (azeite de mamona). O advento da eletricidade trouxe uma espetacular inovação.
Comentava-se
então que a iluminação era a giorno,
expressão italiana que em tradução contextual equivale a “como o dia”,
indicando a grande claridade alcançada.
Na
festa moderna a preocupação maior foi com a carga elétrica excessiva gerada
pela pesada aparelhagem de som necessitada pelos shows, os cordões de lâmpadas, os barraqueiros. Na lateral direita
do adro, (de quem observa a igreja de frente), há um poste com uma chave
bipolar de 50 amperes, ligada por ocasião das festas. A Comissão do Divino
preocupada com o problema da sobrecarga, providenciou para o lado oposto outra
chave, esta de 70 amperes, tripolar. O cabo antigo que servia à energia,
relativamente fino, foi substituído por 180 metros de cabo quadriplex. Por
ocasião das festas solicitava-se junto à concessionária de energia a ligação
das chaves, pagando-se as taxas para tantos dias. Com isto conseguiu-se driblar
o problema em 2002. Em 2004 o pároco deu outro passo importantíssimo para a
segurança, instalando dois padrões de luz, com marcação em relógio. As festas
passaram não mais a pagar taxas fixas, mas apenas o que gastassem de fato, além
da maior segurança proporcionada.
A
iluminação desde 1998 para a festa do Divino é feita com os cordões existentes
no adro. Apenas em 2003 foi feita
iluminação externa da frente e lateral da praça, dando grande efeito, o que foi
na época possível graças aos esforços de Jair Trindade Soares.
13- Fogos de artifício
Herdamos
o costume do oriente, donde os portugueses o trouxeram, através de seus portos
na Ásia. A idéia inicial dos cristãos era que os estrondos espantavam o
demônio.
Essa
concepção perdeu-se no tempo, substituída pela simples admiração dos sons e
cores. Contudo é mister registrar a concepção religiosa mediúnica
afro-brasileira, que atribue ao foguetório um valor de firmeza espiritual, na
radiação do orixá Ogum. Há uma também uma função específica: dar sinais, como
os rojões de aviso antecedendo procissões e cortejos; acordar fiéis para a
festa nas alvoradas.
Noutros
tempos, para promover os foguetórios, os pirotécnicos da terra eram
contratados, alcançando grande prestígio, como Henrique Vieira, Carlos André,
Martinho José de Barros Lima. O negócio era ao que parece promissor. No final
do século XIX, Manoel Messias do Nascimento Brito obtém da nossa Câmara
Municipal licença para instalar uma fábrica de foguetes [34].
Mas também de longe vinham
os profissionais. Sabe-se que outrora veio um de Niterói/RJ, cujo nome não
ficou registrado; de Juiz de Fora vieram Vicente Minobolli e Nicolau Sinelli
(sobrenome que também aparece grafado como Sinele ou Cinelle).
Nos
anos em que os fogos eram fracos a festa por conseguinte era considerada pobre.
Veja-se como exemplo as comemorações de 1893. Também na festa do Divino carioca
eles eram a grande atração, como frisa ABREU (1999), pela quantidade, variedade
e sofisticação.
Falava-se
dos “fogos de vistas”, assim chamados os artefatos que primavam pelo efeito
visual. Dentre eles os “fogos de bengala”, que não estouram, só dão cores. Eram
os preferidos para a noite. Para o dia, a luz solar ofuscava a visão do seu
colorido e eram preferidos os mais barulhentos.
Notícias
mais velhas citam a “ronqueira”, o mais forte dos fogos, causando grande
estrondo. Constava de um calibroso cano de ferro, fincado firmemente em
diagonal no chão ou num grosso cepo de árvore, daí ser também conhecido por
tiro de toco. A ponta que ficava de fora da terra ou do toco, tinha um furo com
um pavio curto. A pólvora seca era colocada sob certa pressão dentro do cano e
tampada com uma bucha improvisada com arroz socado. Acendia-se de longe, com
uma vara longa por razões de segurança, tendo fogo na ponta. O risco de
acidentes era alto, o que gerou uma proibição de seu uso em 1887, através do
artigo 114 do Código de Posturas de São João del-Rei, prevendo multa de 5$000 e
cinco dias de prisão para quem “lançar
nas ruas ronqueiras, busca-pés, bombas e outros fogos que possam ser ofencivos
ás pessoas ou propriedades”. Enfim, os fogos eram sempre um atrativo dos
mais esperados [35]:
Em os 3 dias, durante as festas populares, serão queimados surprehendes
fogos de artificio, do mais afamado pirothechnico do Rio de Janeiro,
contractado por 2:000$000.
* * *
Nas três noites, pretende introduzir nos festejos uma novidade: serão
soltados grandes balões, conjuntamente com os fogos, que serão excepcionaes,
pois foram organizados pelo technico que obteve o primeiro premio na Exposição
do Centenario.
Desde
que a festa foi remodelada que o foguetório tem sido intenso. Foi um tanto mais
simples em 1998, por limitações financeiras, promovido pelo fogueteiro João
Deon, que também o fez no ano consecutivo, quando já se intensificou. Em 2000
foi incrementado e assim se manteve com o mesmo esquema pirotécnico até 2003,
com o fogueteiro Marcírio José Rios de Carvalho. No ano seguinte não houve
foguete algum, por exigências legais de segurança e na festa a seguir retornou,
porém mais simplificado, também pelo pirotécnico Marcírio. Foram excluídos os
fogos de artifício mais perigosos, tais como foguetes de vara (rojões e
lágrimas), morteiros (de tiro seco e de duas aberturas), coroas, rodas de fogo,
apitos de vareta e avião. O forte estrondo dos morteiros na alvorada e no
encerramento era sem dúvida uma nota característica. Em 2006 as exigências mais
rigorosas de segurança solicitadas pelo Corpo de Bombeiros não puderam ser
satisfeitas e assim desapareceu o espetáculo pirotécnico, reduzido a alguns
pouquíssimos foguetes 12 x 1 avulsos, soltos ocasionalmente ao longo da festa.
Não houve foguetes em 2007 e no ano seguinte apenas uma cascata na chegada da
procissão, embora na gruta a alvorada tenha sido marcada por duas girândolas, a
cargo dos festeiros de lá. E assim tem se mantido de forma modesta.
14- Leilão
O
costume dos leilões era muito arraigado às festas católicas em geral, inclusive
as do Espírito Santo, nos diversos lugares onde ocorre no Brasil.
Por
aqui também houve, embora as notícias a respeito sejam parcas, como a de 1897.
Uma delas, fala de um leilão ocorrido na Matriz do Pilar com renda revertida
para a festa de Matosinhos. Uma
crônica retrospectiva de 1912, que aborda um período anterior ao da ferrovia,
também cita o leilão, frisando as espertezas do leiloeiro, no sentido de
convencer os circunstantes a arrematarem as prendas. Em 1923 surgiu outra
notícia [36]: “também haverá leilão de prendas, após as
missas e á noite por occasião dos festejos populares, para os quaes os
festeiros pedem concurso das exmas. familias”.
Na
festa recente o leilão se produzia graças ao importante trabalho dos juízes(as)
de prendas, que logo após a páscoa, a pedido dos festeiros, identificados por
crachá e portando carta autorizativa, recolhiam donativos voluntários fora de
Matosinhos, revertendo-os para a Comissão do Divino. Produtos alimentares,
segundo o cardápio escolhido, eram revertidos para o almoço. O excedente, o
extra-cardápio, o não alimentar, era tudo deixado para o leilão.
Na
dianteira da igreja, de dentro do adro, sobre uma grande mesa, punha-se aos
olhares públicos toda a fartura coletada. Um auxiliar zelava por tudo e
anotava. O leiloeiro pegava as prendas e passava entre os fiéis, em alta voz,
apregoando o produto. A renda se revertia em favor da comissão para custeio do
festejo.
Os
leilões foram realizados em 1998 e 1999. Daí por diante deixaram de ser
realizados, o que não só representou
uma fonte de arrecadação a menos para a organização do evento, como também o
fim de uma atração tradicional, muito conhecida dos fiéis.
Em
2003 realizou-se um único leilão de gado, graças aos esforços do imperador
Geraldo Elói e do auxílio inestimável de alguns poucos abnegados ajudantes: na
cidade, Antônio da Silva Serpa (“Toninho”) e Josino Inácio do Nascimento
(“Jota”); no distrito de São Gonçalo do Amarante, José Leonardo de Paula (“Juca”)
e Juvercino Guimarães (“Sininho”).
15- Celebrações
Observando
a programação das festas do passado é fácil constatar a grande importância que
era dada às celebrações, fossem missas rezadas ou cantadas. A execução do hino Te Deum laudamus era uma constante. A
tradição mandava que os fiéis primeiro assistissem a uma missa para só depois
se divertirem. “Primeiro a devoção, depois a diversão”, prega o ditado popular.
Em
termos quantitativos as celebrações na festa de hoje são mais numerosas. Na
novena há uma missa por dia, às 19 horas, em sintonia com a romaria proposta
para aquele dia. No domingo maior há três missas: 8 h a “festiva”, às 9 h 30 a
“das crianças” e às 16 horas a “solene”, com acompanhamento orquestral até
2007.
A bênção do Santíssimo Sacramento
é realizada após a procissão. Destaca-se pela intensa vibração com os
congadeiros se manifestando no canto do bendito. É certamente o momento mais
participativo e harmonizado entre fiéis e celebrante.
Não obstante vivermos
noutros tempos, as celebrações têm ainda grande peso na festa, sendo
concorridíssimas. Há harmonia entre a parte religiosa e a folclórica, de tal
sorte que formam um todo homogêneo.
Na nova ordem ocorre uma
aproximação da parte folclórica às celebrações, favorecendo a integração da
estrutura festiva. No passado o sistema era mais rígido e não raro os padres se
posicionavam como personagens da estrutura folclórica da festa, o que não
deixava de ser uma forma de estar mais perto da realidade do evento, para assim
melhor se inteirarem dos fatos e controlarem o evento. Por exemplo, em 1881 um
padre foi juiz na segunda-feira da festa. Um decênio adiante outro também o
foi, desta feita na quarta-feira. Em 1893 houve beija-mão do novo sacerdote
após a celebração de Pentecostes, denotando o respeito extremo e a submissão.
Era em suma a própria transparência do poder da Igreja, que se fazia sentir nas
celebrações ou fora delas.
16- Procissões
Acerca
das festas antigas de Matosinhos, um fato admiravelmente intrigante é o da
extrema raridade das notícias de procissões. Ora, se a imprensa da época dava o
maior destaque à programação religiosa; se as procissões nas festas católicas
sempre foram e continuam sendo o evento mais concorrido e notável; então, como
poderiam passar despercebidas aos repórteres? Creio pois, que de fato, eram
raras.
A
não ser pela procissão do Imperador Perpétuo, encontrei apenas três citações na
festa antiga:
-
em 1894: “Procissão do Senhor”, na segunda-feira festiva, dia que era
consagrado ao Bom Jesus de Matosinhos;
-
em 1899: procissão do Bom Jesus do Perdão;
-
em 1923: procissão promovida pelos missionários, não se sabe com qual
imagem.
Em
meados do século XX, com a transferência da festa do Senhor de Matosinhos para
setembro, as procissões em honra ao Bom Jesus tornaram-se habituais.
As
do Divino ocorriam normalmente nos anos oitenta e noventa do século passado,
antes da remodelação da festa, mas acompanhadas de um pequeno número de fiéis,
quase que só dos arredores da igreja.
17- Ordem pública
A
boa ordem dos festejos era sempre decantada nos textos jornalísticos, “como prova da índole ordeira de nossa
gente”, como gostavam de frisar.
Admiravam-se
da grande massa popular, de todos os níveis sociais, conglomerada na praça, em
entremeio a botequins e bancas de jogos, sem que houvesse a menor desavença.
Apenas
em 1918 houve um problema que porventura ocorreu na festa, embora nenhuma
relação direta tivesse com ela: assassinato.
Abusos
da autoridade policial foram coibidos em 1923 [37]:
O Dr.
Archimedes Camisão, delegado de policia, pede nos que declaremos que agirá com
o maximo rigor contra encarregados do policiamento que, no cumprimento dos seus
deveres, praticarem qualquer acto reprovavel, como tambem estará sempre no
local dos festejos, para executar as medidas que achar convincentes, no
interesse da ordem publica.
Nos
tempos atuais a boa ordem continua prevalecendo. Os festeiros, bastante
precavidos, oficiam solicitando apoio policial para toda a festa. Um problema
que se agravou e atingiu Matosinhos o ano todo, com ou sem festa, foi a
situação caótica da praça, diante dos trailers,
com recorrentes problemas de brigas e tiroteios. O “ambiente” ali, estava
péssimo, sobretudo nos fins de semana à noite. Felizmente sua remoção no fim de
2008 trouxe uma nova perspectiva. Coincidência ou não, é fato que na festa
seguinte o movimento de fiéis foi extraordinariamente intenso a ponto de ser
difícil andar na praça de tanta gente que havia. Os defensores dos trailers diziam que sua retirada
fracassaria com as festas locais por falta de público, que vinha atraído por
eles. Era porém um público de má qualidade e completamente alheio ao jubileu.
Creio que a resposta foi ao contrário: o fim daquela desordem trouxe de volta
as famílias antes temerosas de participarem.
18- Império
Também
chamados triatos entre os açorianos. No Arquipélago dos Açores são construções
em alvenaria, à guisa de capelinhas, forma que chegou ao sul do Brasil. É por
assim dizer o palácio do imperador.
Nosso
império é simples. Sua montagem se processa ao lado da gruta do Divino. É uma
armação semelhante a uma tenda, a princípio de madeira, coberta de vistosas
toalhas de brocado e hoje em barraca de armação plástica. Há velas acesas,
bandeiras, bandeirolas, jarras de flores, pinturas no asfalto de figurações
religiosas. O local é cuidadosamente varrido ainda na madrugada. O cruzeiro é
lavado para se tirar a poeira. Os meio-fios são caiados. Um tapete forra o chão
sob os pés do imperador e uma passadeira de carpete serve de guia até ele.
Ladeando está o andor do Rosário, florido ao extremo.
Toda a montagem e
ornamentação locais são de custo e responsabilidade da Comissão de Festas da
Gruta do Divino Espírito Santo e Nossa Senhora do Rosário, totalmente
independente da Comissão Organizadora da Festa do Divino Espírito Santo, de
Matosinhos. São parceiras e a comissão da gruta presta inestimável ajuda. A
imagem do Rosário aqui citada pertence à gruta.
Ano a ano nota-se a
tendência a cortar da gruta esta parte nas comemorações, sob a justificativa de
estar noutra paróquia (São Francisco de Assis) e pela distância do santuário,
complicando os horários de retorno ao santuário.
19- Alvorada
É um tanto sacrificada, verdade seja dita, em razão
do frio desta quadra do ano, com forte neblina e orvalho intenso nas primeiras
horas da manhã.
É um alerta barulhento à população, um despertador.
Acorda os devotos para que venham à igreja festejar. Eis um sentido prático. Há, porém, outro, da religiosidade popular, como primeira saudação no dia maior, aos
santos e entidades envolvidas no festejo, à guisa de abertura, trazendo as
forças sagradas para o bom andamento das comemorações. É o começo do dia mais
importante e o que começa bem tende a terminar bem. Daí o êxito pretendido pela
alvorada. No mais, na concepção espiritualista, tão arraigada no seio popular,
as seis horas é uma hora aberta, consagrada a Oxalá (o mais iluminado dos
orixás), o horário limite entre a noite e o dia, entre as trevas e a luz.
Desde a primeira festa que nesse horário ocorrem os
toques festivos de sinos e o foguetório na igreja.
Em 1998 foi convidada uma corporação musical para
tocar na alvorada no adro e fazer marchas pela praça e avenida principal. A
banda compareceu mas a experiência não foi considerada positiva e na falta de
possibilidade de concretizá-la adequadamente, a ideia foi abolida.
A partir de 1999 foi introduzido o toque das caixas
por dois ou quatro caixeiros conforme a disponibilidade, precedidos pela
bandeira do Divino. Nesse ano compareceram às 5 horas e 30 minutos à porta do imperador,
batendo seus ritmos próprios, saudando-lhe com tambores. Da residência do
imperador foram a igreja, onde suas batidas foram ouvidas às 6 horas. Finda
esta, visitaram casas de festeiros mais próximos.
No ano seguinte só houve batidos na igreja.
Nos subsequentes os toques começaram às 5 horas e 30 minutos na
gruta; 5 horas e 45 minutos na Santa Clara; 6 horas na igreja; 6 horas e 15 minutos a 6 horas e 45 minutos na residência do
imperador, não visitando outros festeiros. Originalmente havia mais toque que
canto, num batido específico de alvorada. A tendência desde 2010 é a aumentar a
cantoria sob influência dos congados e diminuir a rigidez do protocolo de
horários e visitas, simplificando este evento.
Resta dizer que na igreja, uma vez pedida a licença na porta central adentram até o altar, onde tocam e cantam e saindo, vãos aos mastros. Rodeando-os
e fazem saracoteios e gingados ao ritmo das batidas.
20- Folias
As
folias do Divino são grupos folclóricos herdados de Portugal, constituídos à
semelhança das folias de Reis, com cantadores/tocadores, com viola, violão,
cavaquinho, sanfona, caixa, triângulo, pandeiro, xique-xique e eventualmente
outros instrumentos. Não tem o personagem mascarado chamado palhaço, bastião ou
marungo, comum nas folias de Reis e folias de São Sebastião. O uniforme é
apenas a padronização da cor da camisa, no geral vermelha ou branca, calça
comum do dia-a-dia, chapéu de palha enfeitado com uma fita vermelha ao redor da
copa e pendente para trás, e uma flor.
São peditórios e
itinerantes. Ao chegar a uma casa cantam dando boa noite; pedem para acender a
luz, abrir a porta, receber a bandeira (objeto sagrado, com a pintura do
Paráclito); solicitam donativos, agradecem, retomam a bandeira, despedem-se e
vão para outra casa. Se porventura ganharem um lanche, almoço ou jantar há um
intervalo para a alimentação antes de sair da casa e de praxe se agradece
cantando.
Narra LAURENTIAUX (1979) que sua origem histórica é
pagã. Na Grécia antiga havia as festas propiciatórias para acabar com a fome,
chamadas “bufonias”. Abatiam-se animais considerados sagrados e distribuía-se a
carne. Os abatedores de bois eram os “bufonos”, donde veio, bufão (bobo da
corte, que faz folia, alegria, brincadeira). O evento ocorria entre
comes-e-bebes e músicas. Para este autor aí estaria a raiz da folia do Divino.
Da Grécia a tradição teria se difundido pela Europa passando por adaptações. Se
enraizou na Península Ibérica. Chegou muitas vezes ao inconveniente dos
excessos, gerando sanções por parte das autoridades eclesiásticas e civis.
Informa ainda este autor, que “os bailes e folias foram interditos pela primeira vez dentro das
igrejas pelo Bispo Dom Frei Jorge de Santiago, em 1558”.
Trazida para o Brasil em
época incerta, possivelmente junto com as festas do Espírito Santo, essas
folias se espalharam pelo território nacional, assumindo cores locais, desde o
Amapá ao Rio Grande do Sul e do Mato Grosso ao Espírito Santo. É ausente ou no
mínimo raríssima no sertão nordestino, sendo contudo conhecida no Piauí (com o
nome de “bandeira do Divino”) e no Maranhão (chamadas “caixeiras do Divino” –
folia feminina).
ABREU (1999) estudou a festa
do Divino no Rio de Janeiro oitocentista. Atestou de forma abundante acerca da
popularidade de suas folias, que esmolavam para quatro festas do Espírito
Santo: Largo da Lapa (do Desterro), Campo de Santana (hoje Praça da República),
Largo do Estácio e Largo de Santa Rita. Com franca participação de negros sua
música promovida pelos barbeiros era sobretudo com instrumentos de sopro. Não
tardou a encontrar resistência, pois a bandeira levada pelos irmãos de opa era
beijada por todos, de senhores a escravos e o costume foi dado como imoral e
anti-higiênico.
Na imensidão territorial do
país formaram-se variedades regionais, como as próprias caixeiras do Divino
podem ser assim consideradas, e ainda, a folia do Divino Pai Eterno, presente
por exemplo em Uberaba/MG, abordada por FONTOURA, CELLULARE & CANASSA
(1997), ou ainda, os foliões da divindade, tradição maranhense de virem tocar
no cemitério, no dia de finados, contratadas pelos familiares para cantar junto
à sepultura de um ente querido.
Pelo interior mais ermo, as folias do Divino fazem ou
faziam sua jornada de visita às fazendas, sítios e povoados a cavalo. Isto
contudo vai se tornando cada vez mais raro. Nas áreas onde um rio ou o mar tem
grande importância sócio-econômica ou como via de transporte, as folias andam
embarcadas em canoas, igarités, batelões. Isto é especialmente notório na área
amazônica, sendo a via fluvial a possível para se alcançar os habitantes
ribeirinhos. Não é raro nessas ocasiões que uma folia angarie óbolos rio acima
e outra rio abaixo. Neste caso um dos eventos centrais da festa é o encontro
das bandeiras das duas folias, cruzando-se os dois barcos, contendo foliões e
irmandade específica, no trecho do rio bem fronteiro à cidade. Chama-se “encontro
das canoas” a esta espécie de procissão fluvial ou às vezes, marítima, como
ocorre em Marataízes/ES, onde o evento alcançou tal importância, que a festa do
Divino nesta cidade é conhecida por “Festa das Canoas”.
O mais comum porém é os
foliões andarem à pé, como ocorre por aqui.
As folias sofreram
alterações intensas ao longo dos anos. Gravuras do século XIX ilustram-nas em
geral tocando instrumentos de sopro (aerofones), com a bandeira exposta ao
ósculo devoto. Numa salva de prata recolhiam os óbolos. Hoje praticamente não
persiste em uso o instrumento de sopro nas folias.
Outra mudança averiguada é
que outrora havia folias contratadas, recebendo os foliões um salário fixo.
Neste caso as folias profissionais se justificavam, porque elas percorriam as zonas
rurais durante quase o ano todo, diariamente. A folia só parava durante uns
três meses, quando os participantes cuidavam de roças de subsistência e
criações. Os estudos de ARAÚJO (1964) acerca deste fato são conclusivos.
Ainda nesse aspecto há notícias
pelo próprio autor das “bandeiras escoteiras”, assim chamadas as que andavam
desacompanhadas de folia mas com o mesmo objetivo. Conferiu a elas uma situação
de decadência da folia, como seu último vestígio.
Contudo bem antes de sua
pesquisa elas já existiam lado a lado com as folias verdadeiras e sob a mesma
situação contratual. O excedente ao combinado ficava para o
“bandeirante-esmoleiro”, como nos dá conta OLIVEIRA (1907) num texto
memorialístico que evoca o período aproximado do fim da escravidão, na região
de serra-acima, no Rio de Janeiro, junto à divisa paulista, dizendo que na
verdade a maioria das bandeiras tinham procedência da área de São Paulo. Eis um
trecho esclarecedor:
Ocorria quasi sempre, porém, que os festeiros desses logares alugassem
as bandeiras a terceiros (isto, aliás, era ignorado pelas beatas e pela
crendice dos pais de familia), os quaes sahiam em longo percurso, ás vezes de
um anno e mais, depois de haverem préviamente entrado com a quota ajustada para
a festa, como simples exploração mercantil (p. 8).
No que pese as expressões
discriminatórias, geradas no contexto histórico-social daquela época, vale
relatar também seu depoimento sobre a popularidade das folias:
Ninguem hoje avalia quanto reboliço despertava nas moradias ruraes o
apparecer das bandeiras. Cada qual dos sitiantes da redondeza percorrida pelos
foliões timbrava mais em lhes dar almoço, jantar e gazalho, na doce e crente
esperança de ser feliz com a visita do Espirito Santo. Frangos e bacorinhos,
immolados em cruento sacrificio pagavam a honra de taes visitas. Paralyzava nas
roças o proprio labor agricola, afim de que os camaradas e os pretos pudessem
beijar a effigie do Santo na bandeira e concorrer tambem com suas esmolas.
Creoulas de beiçarra vermelha constituiam a rabadilha obrigatoria do moçame
roceiro nesses dias fugazes de sincera devoção e intima alegria (p. 9).
É esse grupo folclórico que,
em visita às casas de diferentes bairros e à zona rural, leva primeiro a
mensagem de fé envolvendo o Paráclito. Além dessa função evangelizadora há a de
anunciar a festa, pois sempre convidam os anfitriões a participarem dela com
suas famílias, avisando-os dos seus dias. Ainda uma terceira função é a de
recolher donativos, esmolas voluntárias e sem valor estipulado, que convertem
para a organização da festa. Uma quarta tarefa, que é a mais especificamente
considerada pelos moradores que são visitados é a distribuição de bênçãos aos
anfitriões. Consideram que a folia com sua bandeira sagrada traz alegria para a
família, saúde, fartura, afasta males materiais e espirituais, firma as
criações, abençoa os plantios. Pode favorecer a concessão de graças
específicas, que os devotos com fé pedem à bandeira. Uma quinta atribuição pode
ainda ser encontrada, que é a lúdica (muito embora a folia seja religiosa),
para os participantes e os que são visitados, é uma ocasião de se divertir,
confraternizar, alegrar – tudo respeitosamente – pois a folia é sagrada. Assim
é extremamente funcional a folia do Divino.
Aqui em São João del-Rei, as
folias dão prioridade à jornada em seus próprios bairros e imediações, embora
visitem também as casas dos participantes mesmo que morem longe, e ainda, a
convite ou de surpresa, qualquer casa, no bairro que seja, além de mais
eventualmente irem à zona rural. Nisto há um aspecto diverso de outrora, quando
as folias eram mais rurais que urbanas, atestam muitos estudiosos. O êxodo
rural teve seu peso neste processo de transferência. Aqui mesmo, entrevistando
os foliões é fácil certificar sua origem direta no campo ou pelo menos de seus
ascendentes.
Em outras regiões quando as
festas ao Paráclito ocorrem noutros períodos que não o de Pentecostes, a folia
sai em outras épocas independentes do ciclo do Divino. Não raro de acordo com o
calendário agrícola, averiguando os tempos da safra e entressafra. Na beira-mar
respeita os tempos pesqueiros.
Tradicionalmente ligada à
cultura caipira, cada vez mais fadada às intensas mudanças sociais, a folia do
Divino quando não desapareceu de muitas regiões donde era típica, tornou-se
rara. Aqui eram conhecidas, mas passaram por longa fase de sumiço. Identifiquei
pela oralidade cinco grupos a muito extintos:
-
do mestre “Geraldo Teixeira” (Geraldo Marcelino da Silva), do povoado
do Brumado de Cima, década de 1960, constituída por promessa. Faleceu em 2005;
-
do mestre “Antônio Bom-bom”, da vila de São Gonçalo do Amarante;
-
do mestre “Zé Franguinho”, do povoado do Caxambu;
-
do mestre “Geraldão”, do bairro Senhor dos Montes;
-
do mestre Joaquim Sebastião Vale, da Rua José Valentim, do bairro Alto
das Mercês.
Decerto outras existiram.
Embora se saiba por força da tradição que estivessem ligadas às festas do
Divino, não encontrei nenhuma notícia concreta de sua existência na festa
antiga, pelas fontes da imprensa são-joanense. Isto não quer dizer que estavam
ausentes da festividade de outrora. Também é constatação que em alguns lugares
há folia do Divino sem nunca ter havido festa do Divino.
Quando a festa foi retomada
em 1998, as folias foram reintroduzidas através do incentivo moral aos foliões
de Reis e de São Sebastião, que ainda estavam ativos na cidade, a se adaptarem
para a nova função, recebendo cada qual uma bandeira e orientações. Tiveram
total liberdade de criação de seus versos e de adaptação musical, desenvolvendo
assim seu saber e criatividade. Houve é claro, a princípio, dificuldade e mesmo
resistência de alguns, sendo livres para aceitarem ou não. Consolidaram-se
cinco grupos e surgiram também outros, que contudo não tiveram continuidade
(vide tabela de folias do Divino).
Nos dois primeiros anos de
atividade esbarraram na incompreensão de muitos moradores, que não concebiam
folia naquela época do ano, afeitos que eram às folias natalinas. Foi preciso
que a comissão de festeiros fizesse amplo trabalho de conscientização junto à
população com palestras, esclarecimentos em programas radiofônicos, fitas de
vídeo, matérias de jornais, informativos e mesmo no boca-a-boca e anúncios de
missas. A própria festa em si é o esclarecimento mais eloquente possível. O
resultado foi tão positivo que no sétimo e no oitavo ano de experiência, as
folias não davam conta de atender a todos os pedidos de visita que recebiam. Os
foliões a princípio temerosos hoje se sentem valorizados. Frise-se que tais
folias não são recriações estéticas. Sua autenticidade é clara. E não vai
nenhuma discriminação nesta frase.
O trabalho das folias do Divino é notório. Por cinqüenta dias elas
divulgam a festa, saindo à noite nos dias de semana, após os foliões terem
trabalhado o dia todo e em geral, de dia, nos fins de semana. Sua contribuição
para o êxito da festa é fundamental.
Na véspera de Pentecostes participam tocando na procissão do Imperador
Perpétuo. Na procissão de 2004 anotei essa quadra, que bem demonstra o
entrosamento que os foliões atingiram com a festa [38]:
“Nossa Senhora da Lapa / Enfeitada no
andor / Já vem na procissão / Santo Antônio Imperador!”
Chegando
a Matosinhos é servido lanche às folias e celebra-se a missa, finda a qual reúnem-se todas no coreto, para o chamado
encontro das bandeiras. Mais
propriamente é uma apresentação consecutiva de cada folia. Em 2000 e
2002 participou na abertura o grupo “Frutos do Rosário” [39]
com a festiva entrada de vinte bandeiras do Divino no coreto, onde se
apresentaram. A seguir cada folia teve a sua vez de nele cantar seus versos
laudatórios, de saudação, de agradecimentos e de despedidas. É o fim de sua
missão anual. A entrega ou arremate, como dizem.
O encontro é fraterno e
pacífico, com total ausência de rivalidade entre os grupos. É sabido que
outrora quando duas folias (de quaisquer santos que fossem) se encontravam,
tramava-se um ritual próprio, com o cruzamento das bandeiras e cantos de
porfia, onde cada mestre, querendo demonstrar seu saber, punha à prova o
conhecimento do rival, com uma série de perguntas cantadas acerca do seu
fundamento religioso, que o outro tinha por sua vez de responder também em
cantoria. Ganhava a disputa aquele que mais sabia e cabia-lhe por direito reter
a bandeira da folia perdedora e em alguns casos, até mesmo a esmola recolhida,
os instrumentos e uniformes quando havia. A folia perdedora só reaveria os
pertences no outro ano, na nova jornada, se o mestre já mais instruído (ou um
substituto capaz), conseguisse provar que agora sabia aquilo que lhe motivou a
queda.
Desta
maneira havia entre as folias um processo de seleção natural, de controle de
qualidade. Ocorre que havia outra faceta: nem sempre a derrota era bem aceita
como justa, de sorte que tais encontros redundavam em sérias desavenças, brigas
de fato. Por isto, houve época, que as folias precisavam de licença policial,
tirada previamente junto ao delegado, para sair às ruas. Há casos narrados por
antigos foliões, de folias inteiras que foram para a cadeia, onde todos os
instrumentos e a bandeira ficaram retidos, enquanto durou o inquérito.
No
mais o número de folias diminuiu drasticamente, tornando-se raros os encontros
ocasionais. As mudanças sociais fizeram com que um mestre dependesse de favores
de outro, através da seção de instrumentos, empréstimos de folieiros, etc. O
processo evoluiu. O pensamento enfim, mudou. Hoje, felizmente, de forma mais
cristã, tais encontros são pacíficos e confraternizadores.
O
encontro das bandeiras é o ponto alto de muitas festas do Divino no Brasil,
seja por terra, seja embarcado, em via fluvial ou marítima. É o encontro dos
jornadeiros, que em nome do sagrado difundiram devoção, bênção, alegria e
trouxeram de diferentes partes do município, algumas recônditas, ofertas de
fiéis para a fartura do festejo.
Após a última folia em alguns anos iniciais
houve um breve número avulso de calango. É uma modalidade musical, poética e
coreográfica, muito arraigada ao nosso interior, já hoje rarefeita, mas que
ainda faz a assistência se agitar, muitos rindo dos versos de fundo
humorístico. Enfim, resta dizer, que a platéia é surpreendente, tanto em
número, como em atenção e variedade.
Por fim resta dizer que por vezes essas
folias se apresentam fora da festa e haveriam muitos exemplos a dar mas basta
por oras lembrar da folia do Geraldo Elói que em 2009, próximo ao Corpus Christi doou uma imagem do Divino
que receberam de oferta em sua jornada pelo Bichinho para a Capela do Bonfim,
no Morro da Forca. A folia da Caieira no mesmo ano, esteve no dia 20 de junho
no aniversário de 80 anos do folião sr. Mário Calçavara no Fé, onde houve uma
missa campal celebrada pelo salesiano Pe. Jaime Teixeira e grande festa a
seguir; a mesma, esteve na outra semana na Festa de Nossa Senhora do Livramento,
em Prados, uma concorrida romaria.
21 – Congados
Desconheço registros da
presença de congados na antiga festa do Divino. Sabe-se que sua festa sempre
foi a do Rosário, desde os tempos coloniais. Na sociedade escravocrata, era
vedado aos negros se integrarem à festas dos brancos. Sendo os congados de
forte influência da cultura afro-brasileira, fica claro porque não participavam
das festas do Espírito Santo, que como se sabe tem procedência européia.
Esse separatismo não poderia
prevalecer. Por isso, quando se idealizou introduzir os congados, sob o acordo
de todos os festeiros de então, a partir do jubileu de 1998, não houve
resistência.
A
ideia inicial não era que eles simplesmente fossem uma apresentação, uma
atração a se exibir para o público, mas sim que de fato se integrasse à
estrutura festiva. Para tanto foi tomado por empréstimo das festas do Rosário,
elementos festivos que pudessem favorecer essa integração, tais como
levantamentos de mastros pelos congadeiros (noutras festas do Divino Brasil
afora habitualmente os fiéis o erguem ao som de banda de música), reinado e seu
ritual, a própria devoção a Nossa Senhora do Rosário, que é em suma a padroeira
de todos os congados.
Mais
tarde houve divergência no sentido dessa aproximação, julgando alguns que
estivesse acontecendo uma descaracterização da Festa do Divino pela aproximação
com o Rosário, ou ao menos que a história da festividade em Matosinhos não
estivesse sendo seguida. Superada essa fase, a estrutura do jubileu continuou a
mesma, apenas se enfocando mais a partir de então a devoção a Nossa Senhora da Lapa
em detrimento da invocação do Rosário.
Os
congados se adaptaram à festa. Criaram cantos próprios, que não se ouve noutras
festividades de que participam. Por exemplo, veja-se essas coletas no jubileu
de 2004:
Imperador!
Eu vim te
visitar! – bis
(Cap.Wilson da Costa,
Matosinhos, SJDR)
Abriu a porta do céu
|
Olha, eu vim lá de Lavras
|
Eu avistei um andor,
|
Pra poder cantar,
|
Do Divino Espírito Santo
|
E dou meus parabéns
|
E Santo Antônio Imperador.
|
Ao Dom Valdemar, aêh!
|
(Cap. Raimundo Camilo, Bairro São Dimas, SJDR)
|
(Cap. Walter Barbosa,
Lavras)
|
Êh, beija-flor,
|
O Papa Pio VI
|
Mariposa do jardim,
|
Lá de Roma autorizou,
|
Vou pedir para o Divino
|
Louvar o Espírito Santo
|
Pra tomar conta de mim!
|
Cantando em seu louvor!
|
(Cap. Moacir Santana,
Bairro São Dimas, SJDR)
|
(Cap. Luís Maurício, Passa
Tempo)
|
De
fato o congado se tornou sem dúvidas a maior atração da festa. Não dá para
imaginá-la hoje sem eles. No dia maior eles estão presentes aos momentos mais
relevantes, enriquecendo-os. Em parte esta situação se deve à “propaganda”
desta manifestação em detrimento de outras ao longo do tempo. Como exemplo, no outdoor de 2008 a palavra “congado”
aparece, mas folia não; no folder
desse mesmo ano, também não aparece folia, mas congado está escrito quatro
vezes. Essa disparidade corriqueira contribuiu para uma supervalorização do
congado no festejo enquanto as folias tem uma presença bem mais apagada, o que
é um lapso claro, posto que a folia do Divino simbolicamente é muito mais
representativa da festa que o congado.
22- Cavaleiro do Divino
É um marchante solitário, a
cavalo, que carrega um estandarte do Divino, tipo auriflama. Não usa uniforme
específico, senão a roupa do dia-a-dia e o chapéu à cabeça.
Faz
uma jornada de visitas, primeiro à zona rural. Passa pelas estradas vicinais,
trilhas, caminhos, transpõe córregos, pontes, mata-burros, porteiras, ladeia os
muros de pedras, as matas, os currais, sítios, fazendas, povoados, transpõe a
Serra do Lenheiro, visita capelas e cruzeiros. Sempre em toada que não maltrata
a cavalgadura e tendo em punho, respeitosamente o estandarte do Espírito Santo.
Traz consigo um alforje, onde leva programas e informativos da festa, que vai
distribuindo pelas vendas do caminho, aos devotos que encontra ou visita e
assim divulga a festividade. Oferta o estandarte para os fiéis o beijarem e
passarem nas dependências do lar, levando a acreditada bênção do Paráclito,
para aquela propriedade. Recolhe donativos ofertados, em dinheiro ou em
prendas, cada qual anotada rigorosamente em um caderno próprio, a cada ano
vistoriado pelo tesoureiro. Não é função primordial do cavaleiro recolher
ofertas, mas secundária, coletando as que voluntariamente são ofertadas pelos
fiéis, como de praxe fazem às bandeiras de qualquer santo visitante.
O
cavaleiro é aquele que, assim como as folias, e durante o seu mesmo período de
atividade, prepara o espírito popular para a chegada do jubileu, abre seus
caminhos, leva aquela devoção, convida os fiéis.
O povo habituou ao ver a sua
figura, a dizer que a festa está chegando. Perguntam-lhe qual a data, se vai
ser boa, quantos congados vem. Muitos choram ao ver o estandarte e de joelhos e
em lágrimas fazem preces e pedidos. Testemunho a seriedade autêntica e a fé
firme com que Damião Guimarães encarnou este papel de 1999 a 2003. Não houve
substituto. Ressalto que esse trabalho era voluntário, encarado como missão
sagrada pelo cavaleiro. Ele é o proprietário do animal e do arreio.
A
propósito, encontro na obra de CÔRTES (1987) uma referência a um cavaleiro com
semelhante função na redução jesuítica de São Miguel, em Santo Ângelo, Rio
Grande do Sul. A diferença é o objetivo central de atrair chuva, que acreditam
esteja no poder da bandeira do Divino conduzida a cavalo. Tão logo caia água do
céu fazem a festa de agradecimento.
23- Anúncio festivo
Outra
forma de divulgação, já agora festiva, desenvolvia-se outrora em dia
desconhecido, por uma charanga que com alegria visitava o imperador em sua
residência e era por ele acolhida e aos convivas serviam algo. A citação é
memorialística, divulgada em 1912 pelo jornal O Dia.
Ainda
outro anúncio, do qual há várias referências antigas, procedia-se na véspera de
Pentecostes, à noitinha, com uma banda de música percorrendo o centro da cidade
em desfile, que terminava na praça de Matosinhos.
Sob esta
inspiração é que foi estabelecido em 1999 a passeata de uma banda pelo centro
histórico da cidade, tocando marchas e dobrados, tendo à testa o alferes da
bandeira em sua montaria, que vai distribuindo informativos aos transeuntes.
Infelizmente porém, as dificuldades em se conseguir uma corporação musical
disponível para esta tarefa, não tem permitido sua realização a contento, até
ser abolida.
Com base nessas notícias é que foi estabelecida em 2001 a visita dos
caixeiros à casa do imperador, na Quinta-feira da Ascensão, quarenta dias após
a Paixão de Jesus, relembrando a sua subida ao céu. Segundo a bíblia, Jesus
prometeu aos apóstolos, que Deus enviaria o Espírito Santo para consolá-los e
orientá-los, mas isto só seria possível, se primeiro Ele subisse ao Pai. Assim
se cumpriu e dez dias após a Ascensão do Messias, o Divino surgiu no cenáculo,
inaugurando por assim dizer a Igreja. Eis portanto que a Ascensão é uma data
importante para o fundamento religioso das comemorações de Pentecostes, pois
representa o cumprimento sagrado de uma promessa de Cristo, que abriu caminho
para uma revelação do Paráclito, mais concreta e próxima dos fiéis.
Infelizmente porém a Igreja achou por bem transferir a comemoração deste evento
sagrado da quinta para o domingo imediatamente após. Data artificial.
Às
18 horas um grupo, com quatro tocadores de caixas, visita o imperador coroado
em sua residência, tendo à frente um quinto homem, com a bandeira do Paráclito.
Depois se acrescentaram dois guarda-coroa, munidos de espada, ladeando a
bandeira. Todos vestem-se de branco, com colete e casquete vermelhos, com
debruns de sinhaninhas douradas e botões da mesma cor. Feitas as saudações e
vênias de praxe, são recepcionados e se cumprimentam, confraternizando-se. O
imperador oferta um lanche.
A
visita dos caixeiros tem um valor simbólico grande. Funciona como anúncio da
proximidade iminente do jubileu; age como uma vênia à autoridade imperial; faz
abertura dos rituais da religiosidade popular em preparação ao dia maior; age
como oportunidade de confraternização. Dentro da residência do imperador, após
o toque, são feitas preces coletivas por várias intenções, tais como: pelo
imperador coroado, pelo que foi eleito para substituí-lo, por todos os
festeiros, pelos colaboradores e voluntários, pelos sacerdotes, pelos
patrocinadores, pelos anjos da guarda, pelo êxito do festejo, etc.
Concluída a visita, saem à
rua, rumo à matriz para a missa das 19 horas, que é por intenção dos
imperadores. Levam o imperador à igreja e à sua porta encontram-se com o
imperador eleito, que assumirá o cargo no Pentecostes. Cumprimentam-se e assim
todos entram pela igreja, sempre tocando e cantando pontos congadeiros. O
imperador coroado deposita sobre o altar as insígnias que traz à mão. Ali
estarão durante a missa. As caixas são depositadas abaixo do nicho onde está a
imagem do Divino.
Assentam-se todos e assistem
à celebração.
Terminada a missa, retomam
os toques. A imagem do Divino é descida de seu nicho e levada para o altar-mor,
onde a fixam aos pés do padroeiro. Ali ficará durante toda a novena, que se
inicia no dia seguinte.
A transferência da imagem do Divino de seu
nicho (onde passou o ano inteiro de forma bastante despercebida) para o
altar-mor, aos pés do Bom Jesus, tem neste dia um valor simbólico e sagrado
muito acentuado, relembrando o encontro no céu de Cristo que “subia” com o
Espírito Santo, que haveria de “descer” pouco depois. A imagem se destaca, com
as fitas pendentes para que o devoto possa beijá-las e com elas se persignar.
Ela se torna central, venerada. Seu nicho agora vazio recebe a imagem de Santo
Antônio, o Imperador Perpétuo, que aí estará no decurso da novena. O imperador
conduz a imagem ao altar-mor[40].
Um representante da Comissão
do Divino vem ao microfone e convida os fiéis para a festa, bem como, aproveita
o ensejo para agradecer aos que estão ajudando e ainda repassa a programação.
Finda a tarefa todos se dispersam.
A partir de 2005 o congado
local somou-se aos caixeiros a nível do salão comunitário de Santa Clara e
praticamente os absorveu descaracterizando a parte final do ritual.
24- Novena
É
de praxe católica, que as festas mais destacadas não se resumam ao dia festivo,
mas que se façam preceder de alguns dias de preces preparatórias especiais: três
dias (tríduo), cinco (quinquena), sete (setenário), nove (novena) ou treze dias
(trezena). A novena é sem dúvidas a mais comum. A do Divino começa sempre numa
sexta-feira, após a missa das 19 horas. Seria mais lógico um setenário,
abordando cada dia um dom.
Até
2002 se processava dividida em duas partes: os seis primeiros dias eram
desenvolvidos de forma descentralizada, como “reflexões comunitárias”. Cada uma
das vinte e duas comunidades promovia em seus salões ou locais convencionais de
reunião, as preces e reflexões, cantos e outras atividades, de acordo com o
tema determinado pela Igreja, dividido em sub-temas, um para cada dia, seguindo
porém o fio condutor proposto. O êxito dependia assim do esforço dos noveneiros
e no geral a freqüência de fiéis era absolutamente aquém do mínimo
satisfatório. Os três dias restantes rezavam na matriz, o que se chamava
“tríduo preparatório”.
O
fim das reflexões comunitárias não foi total. Foi antes uma transferência. As
comunidades agora não refletem o tema da festa em suas sedes, mas na matriz, em
conjunto, sendo que, a coordenação litúrgica, cuida de organizar a entrada de
cada uma delas, a cada dia, tendo elas a liberdade de criação para melhor
evangelizar, dentro da diretriz temática. A mudança foi sem dúvidas positiva.
Durante
a novena o fiel tem ocasião de orar pelo bem da festa que se aproxima, cantar
os hinos tradicionais, receber bênçãos e por assim dizer entrar no clima
festivo, que já se faz presente, nos toques de sinos, nos enfeites da igreja.
Concluída a parte litúrgica,
no adro ou na praça, reúnem-se jubilosos a conversar, reencontram-se velhos
conhecidos, come-se algo nas barracas, assistem-se aos shows que os festeiros programam para cada noite.
25- Cavalgada
Ainda
na função anunciatória/preparatória, precede à festa em um domingo, a cavalgada
do Divino. Está portanto contida no período da novena.
A cavalgada do Divino foi
estabelecida na festa de 1998 e passou por várias experiências até se firmar.
Naquele ano foi realizada na véspera do dia maior, à tarde; no ano seguinte,
ainda à tarde, no sábado da semana anterior a Pentecostes. O trajeto
excessivamente longo, tomando vários morros fortes – esforçando as montarias -
o número de cavaleiros e amazonas ao redor de duzentos ou mais, sob difícil
controle, trazendo brigas, acidentes e grande número de bêbados, turmas sobre
charretes e carroças, descontrolando a ordem das filas, foram constatações
óbvias. As opiniões dos festeiros se dividiram energicamente, entre a extinção
da cavalgada até mantê-la tal como estava e ainda adaptá-la. Reinou o bom senso
de novas experiências. A partir de 2000 foi passada para um domingo antes de
Pentecostes, pela manhã (menos calor, menos tempo para bebedeiras), redução
drástica do trajeto somente às vias principais da cidade e desde que planas,
policiamento com batedores em motocicletas, reordenação da coordenação da
cavalgada, registro dos participantes em livro próprio, simplificação das
regras, contudo melhor aplicação, redução da divulgação do evento para diminuir
o número de participantes assim alcançar controle mais fácil, combate rigoroso
ao uso de álcool. Com isto os problemas reduziram na ordem 70% ou mais e os
participantes ao redor de 40-60 pessoas. O tempo gasto para o percurso, em
torno de quatro horas ou mais, foi reduzido para duas.
Corre
sob o comando de um coordenador, com o auxílio de um vice. Cabem-lhes organizar
a cavalgada e arregimentar participantes. Marcham em fila dupla e paralela,
tendo como abre-alas um carro de som, que vai tocando músicas correlatas e
entre elas um locutor anuncia a festa. Logo atrás e ao centro vem o
coordenador, carregando um estandarte do Divino. Ladeando-o vem os ponteiros,
cada um com uma bandeira do Divino. Em 2005 as bandeiras foram substituídas
pelos guiões, mais leves e de mesmo valor religioso. Os ponteiros encabeçam as
filas. Com posição livre, surge o mantena ou mantenedor, que circula pondo
ordem nas filas. Não está presente todos os anos por falta de quem possa ocupar
o cargo, um tanto espinhoso. Personagem abandonado.
Esta cavalgada tem caráter
religioso. Na saída o padre dá uma bênção. É rezada uma oração conjunta antes
da partida e lido o regulamento pelo microfone, onde se admoesta contra o
álcool e a favor da boa ordem, respeito religioso, respeito aos coordenadores e
não maltratar os animais. Não é peditória, embora o coordenador possa recolher
esmolas doadas, ainda que sejam eventuais e espontâneas.
A Gruta do Divino Espírito
Santo e Nossa Senhora do Rosário é ponto de parada breve para oração, onde sempre
há enfeites, fogos de artifício e um altar armado ao ar livre com imagens e
insígnias. Além da gruta, alguns moradores costumam enfeitar a frente das casas
em pontos estratégicos, armando também pequenos altares.
Sua função de anúncio é sem dúvidas efetiva. É
constatação clara que a procura dos fiéis por cartazes e informativos aumenta
consideravelmente após a cavalgada, não só pela proximidade da festa mas também
porque os fiéis declaram estar procurando porque viram a cavalgada passando e
assim souberam da chegada do jubileu.
Resta por fim dizer que os
festeiros programam para cada ano uma camiseta de malha para a cavalgada:
vermelha, com detalhes brancos nas mangas e gola, tendo escritos “Jubileu do
Divino” “Paróquia de Matosinhos”, “III Cavalgada do Divino” ou algo do tipo, e
ainda uma estampa do Espírito Santo, impressa pela técnica de silk-screen. Em certos anos a limitação
orçamentária não permite a confecção desse uniforme.
Em
2008 e 2009 ampliou um pouco o trajeto e o número de participantes mas a boa
ordem não saiu do controle.
26 – Mastros
A
tradição dos mastros votivos atuais se perde na distância do tempo e está
calcada em diferentes fontes etnográficas. Segundo CASCUDO (s.d.):
É reminiscência da chantação do
lábaro, vexilo de comando, as insígnias de soberania, que ficavam diante da
tenda do general. Todos os povos do Mediterrâneo usaram esse cerimonial, assim
como egípcios, persas, assírios. Onde estava o lábaro ou o vexilo estava o
chefe. Depois as bandeiras substituíram os símbolos de bronze.
Outros tipos se conjugaram. O “poste
central” por exemplo é um pau lenheiro fincado no centro de algumas tabas
indígenas ou de barracões de candomblé ou ainda de terreiros de umbanda,
“mastro do terreiro”, em torno do qual dançam, cantam, suplicam. Pode ser um
simples mourão. O mesmo autor supra esclarece que tal mastro é ...
uma égide evocadora da perdida unidade
telúrica do mundo, passando a representar a imagem da firmeza, da sustentação,
do equilíbrio, e, decorrentemente, signo de soberania, domínio, força
disciplinadora.
Uma
variante é o “pai tempo” [41],
que por aqui se finca diante das casas mais humildes ou defronte aos templos de
prática de religião afro-brasileira (terreiros, tendas, cabanas, choupanas,
centros, barracões). É um pau ou bambu fincado na vertical tendo ao topo uma
simples bandeira branca, sem qualquer atavio ou estampa de santo. Carreia as
forças do tempo, da natureza, às quais está entregue, sob o sol, chuva, vento,
luar, sereno, geada, neblina, tempestades. Não tem época certa nem para ser
fincado, nem para ser descido, valendo a intuição ou a mensagem espiritual
reveladora.
Há ainda outro modelo,
herdado da “árvore de maio”, proveniente de antigos cultos pagãos,
favorecedores da fecundidade, das plantações, criações e pessoas, extremamente
arraigado na Europa, de onde o brasileiro herdou o costume. Aquele continente,
sito no hemisfério norte, tem em maio a estação da primavera (outono aqui no
hemisfério sul), ocasião na qual o aquecimento gradativo, provoca o degelo da
neve e assim, expõe a vegetação, que fora queimada pelo frio, desfolhada pelo
outono. O calor vital do sol promove a
rebrota das árvores, o nascimento de folhas e flores. O mato que parecia morto
renasce do gelo. O fato é simbolicamente equiparado a uma ressurreição, a uma
vida nova. Comemorando-o, os campônios preparavam uma árvore determinada,
desgalhando-a em parte e enfeitando-a de flores, penduricalhos, comestíveis,
objetos fálicos, fitas. Em torno dela festejavam, com danças, cantos, rituais,
comes-e-bebes. Desse hábito, depois cristianizado, veio por exemplo a
dança-das-fitas, equivalendo o pau enfeitado em torno do qual dançam à árvore
de maio, que bem se poderia dizer, árvore da vida. Convencionou-se chamar a
isto fitolatria (adoração dos vegetais) – embora na realidade, nem sempre fosse
caso literal de se endeusar uma planta.
No
Brasil há mastros juninos muito parecidos à dita árvore, devido aos seus
enfeites florais, ramagens, frutas, alimentos, atados ao pau. Há mesmo uma
árvore inteira, cortada no mato, arrastada e fincada adrede no local da festa,
prendendo-se nela os tais adereços. Um costume do vale médio são-franciscano é
fazer ao seu redor uma fogueira. As brasas vão consumindo a base e ao tombar a
árvore ao chão, a criançada afoita acorre a ela para arrancar das folhagens os
brinquedos e comidas ali amarrados.
Esta
tradição alcançou os mastros do Divino, como ocorre na área amazônica até o
Maranhão, quando eles recebem os enfeites vegetais, cachos de coquinhos,
bananas, abacaxis, garrafas de bebidas, tudo preso à sua madeira, tendo no topo
a bandeira do Paráclito. O ato da sua descida é muito diferente do que aqui se
processa: cada mordomo da festa dá uma machadada até derrubar o mastro, que tão
logo cai, em meio a assuada dos presentes, é de imediato despido de tudo quanto
nele está fixado, cada um pegando algo para si, naturalmente tido por bento.
Tirada a bandeira, o mastro é a seguir atirado na corrente do rio.
Considera-se
que os mastros que conservam estes enfeites vegetais, tenham elementos
vestigiais da antiga fitolatria. Reminiscência coletiva inconsciente.
O
que parece ter sido informação excessiva ou fora de propósito é uma tentativa
modesta, de compreender diferentes costumes que se confluíram, para junto ao
catolicismo popular, formar o folclore dos mastros votivos do Brasil. Tudo isso
se uniu, assim como regatos se juntam para formar um ribeirão, de tal sorte que
já não se sabe se a água veio de tal ou qual fonte.
Obviamente muitas crenças a
este respeito, ficaram e persistem encobertas, em razão de fatores
discriminatórios e mesmo de perseguições. A religião dominante não permitiria
sua prática e exposição no passado e ficou na tradição tê-las veladas.
Obedecem ainda a
regionalismos.
O
buraco dos mastros, aberto à força de cavadeiras no chão, puxa as forças da
terra, sobretudo negativas, ligadas à morte, à doença, à desgraça. Os corpos se
decompõe na terra. Aí são feitos via de regra os pedidos maléficos. A parte
aérea do mastro puxa forças superiores, benéficas, dos santos, guias, orixás –
cuja força paira, como uma bruma invisível para os olhos insensíveis ou
incrédulos, logo acima das bandeiras e quadros, daí sempre o congadeiro vir
bater a testa no mastro para receber sua parcela destas bênçãos. Esta é a
crença mais ou menos padronizada, embora concepções particulares possam
divergir do exposto. Por estas razões o congadeiro como o devoto em geral, tem
pelo mastro profundo respeito e vem junto a ele, num misto de saudação e busca
de forças, com gestos comuns e outros subjetivos, com vênias e cumprimentos,
por vezes expansões votivas bem individualizadas, manifestar a sua fé e a sua
esperança. Bandeiras, espadas, bastões, manguaras, tamborins e mais
instrumentos, tocados no mastro, saúdam-lhe, pedem licença aos protetores e
buscam forças.
Cada
capitão ao fincar seu mastro deixa-o aos cuidados de um guardião espiritual,
cuja identidade é inconfessável, por motivos de segurança própria. Há um temor
de que o inimigo, físico ou o imaterial faça-lhe mal ou ao seu congado. O tal
guardião é que defende. Se for desconhecido melhor, pois não se sabe com quais
armas espirituais luta.
Ano após ano não se deve
trocar o lugar de fincá-lo pois ele “cria raiz” no lugar de costume. Deve-se
manter o local da primeira fincação. Por isto os congadeiros reprovaram a
mudança dos mastros para a frente da igreja numa ocasião e no ano subseqüente
retornaram para o lugar de sempre. Sobreveio naquele ano de mudança uma forte
ventania repentina na tarde, sem que houvesse qualquer sinal de tempestade a
não ser exatamente na praça. Choveu um pouco e parou, na hora da missa solene.
O fenômeno curioso foi dado como aviso e dito que, não fosse o vento para
limpar o ambiente, algum festeiro morreria antes da próxima festa (*). Lembraram
daquele ponto de Oxossi: “Choveu de
relampiar, mas mesmo assim o céu estava azul...” (etc.) O vento foi de tal
ordem que abalou o mastro do Divino, inclinando-o e danificando o quadro. O
quadro ou bandeira do mastro também não deve ser mudado só por interesses
estéticos. Pode-se mudar os enfeites, mas não o registro (estampa) a não ser
por grande necessidade.
O mastro deve evocar o
antigo, o ancestral. Dizem que o certo antes de cortá-lo e se preparar com
jejum, abstinência sexual e alcoólica, rezar muito junto à árvore escolhida,
acender uma vela próximo a ela enquanto é cortada, não fazer algazarra, não
falar palavrões ou qualquer xingamento, não cuspir no local. O respeito deve
ser máximo. Ferramentas devem ser manuais em vez de elétricas, tanto as de
corte quanto as de furo, dentre tantos outros detalhes que variam de lugar a
lugar e conforme a formação religiosa da pessoa. Está claro que estas regras já
não são mais observadas na maioria das situações.
Nesse
contexto de crenças, o aspecto do mastro extrapola o mundo dos encarnados e a
festa ganha também um cunho sobrenatural, muito mais forte que se supõe. É uma
verdadeira luta do bem contra o mal, nada superficial, onde o mastro é o centro
desse campo de batalha. Capta energias. É uma espécie de para-raio da festa e
sem dúvida é o seu elo ecumênico. Quando vai ser descido, se está difícil
demais de sair do buraco, acredita-se num perigo iminente de demanda.
Um
detalhe importante é o tempo de permanência diante do templo. A tradição das
festas do Rosário é o mastro ser fincado uma semana antes e ser descido ao fim
do dia maior ou uma semana depois. Há a variante de uma quinzena antes e outra
após, como ocorre na vila do Rio das Mortes e no povoado da Canela, distritos
são-joanenses. Em certos lugares porém, finca-se cedo e baixa-se à noite do dia
principal, como ocorre com os mastros secundários na festa do Divino, que cada
guarda de congado finca ao chegar à igreja, rodeando os mastros centrais.
Mastros juninos são erguidos no dia da Invenção da Santa Cruz (3 de maio) ou na
véspera de Santo Antônio (12 de junho) e deixados todo o mês de junho ou até o
limite de 26 de julho (dia de Santana) – tradicionalmente ocasião da última
fogueira por aqui. Locais há, em diferentes festas, que fica fincado o ano
inteiro e só no outro ano é descido para dar lugar ao novo.
O
mastro do Divino está sempre ao centro e é o mais alto, indicando ser o
principal. Ao seu lado está o do imperador perpétuo. Ao redor estão os demais,
dos santos patronos de cada congado e outros quadros/bandeiras, que os
festeiros emprestam aos ternos visitantes, que porventura não trouxeram os
seus.
A
madeira dos mastros do jubileu é o eucalipto (mais fácil de ser obtido e
trabalhado), meião, com cerca de seis metros, tendo porém quase o dobro o do
Divino. Ainda verde é descascado (após ser marretado para descolar as cascas,
elas são puxadas), furado a broca no centro do extremo mais fino para encaixe
da “grimpa”, haste de ferro de construção (vergalhão), que ali é fincado para
servir de ponteira de encaixe para o quadro do santo ou para amarrio da
bandeira. Ambos extremos são encastoados com arame para a madeira não rachar
enquanto seca. Todos são pintados de branco com a grimpa vermelha. Fitilho
vermelho é enrolado em espiral ao longo dos mastros principais. Em torno dos
secundários, são postos três anéis do mesmo material próximo à ponta. Outro
padrão de uso mais recente é o de duas espirais em cada mastro, de sentidos
inversos. Ultimamente surgiu uma divergência: o uso do fitilho azul
O branco e o vermelho são as
cores votivas do Espírito Santo, relembrando respectivamente a pomba alva e a
língua de fogo rubra, formas de aparição do Paráclito (Consolador / Advogado).
São as cores dominantes em todos os enfeites da festa, no uniforme dos
festeiros e demais fardamentos dos personagens [42].
Por outro lado, na espiritualidade afro-brasileira, o branco é a cor neutra,
cabível para todas as forças sagradas e o vermelho a cor guerreira, combativa,
da força vital, por analogia com a cor do sangue. Aliás, sangue é vida. É a cor
dos santos mártires.
27 - Missa inculturada
As missas seguem em geral à
forma litúrgica dita romana. Aquelas que excepcionalmente tem outra orientação
cultural, embora com o mesmo arcabouço litúrgico, chamam-se inculturadas, ainda
que habitualmente sejam chamadas aculturadas.
As duas palavras podem ser
entendidas em sinonímia, em consonância à lição gentilmente prestada pelo
professor Abgar Tirado, que desta missa tem sido locutor sacro em Matosinhos.
Esclareceu-me pessoalmente (01/06/2008), que o “a” de “aculturado(a), vem do
latim “ad” e portanto não tem o
sentido excludente do “a” grego, que
até aqui eu supunha fosse o caso, este sim com sentido de negação. Embora que o
“in” também latino, possa em algumas
palavras contextualmente assumir caráter de exclusão, em ambos os casos, os
radicais apontam a inclusão de uma vertente cultural na cerimônia católica.
Os dicionários contudo
registram o termo aculturação desta forma:
Conjunto de fenômenos resultantes do intercâmbio, direto e contínuo, de
grupos de indivíduos pertencentes a culturas diferentes (AULETE).
* * *
Contato entre culturas ou sociedades e o efeito de uma ou umas sobre a
outra ou outras (LAROUSSE).
Por outro lado a palavra
inculturação não encontrei dicionarizada, senão como “incultura” e “inculto”,
com o sentido de sem cultura, sem instrução (AULETE, FERREIRA).
Devido a essas controvérsias
melhor seria dizer-se aculturada mas neste livro adotei o termo mais
corriqueiro, inculturada.
Com base na cultura e
religiões afro-brasileiras, tem-se a Missa Conga (com a participação de
congados, reis e rainhas) e a Missa Afro (com grupos para-folclóricos), ambas
inculturadas. Tem sido feita a tentativa lamentável de abolir o termo “Missa
Afro”, em detrimento de “Missa Inculturada”, embora seja mais específico.
Existem outras
missas também “inculturadas”, que não são afro nem congas, já que se baseiam em
outros referenciais religiosos/culturais: Missa dos Vaqueiros, Missa Campeira,
Missa dos Violeiros, Missa Reiseira. Friso portanto que a missa inculturada
aqui realizada é uma afro, já que nem todas o são.
Nessa
celebração segue-se aos passos gerais da missa convencional, mas as
características do conjunto são diferentes daquelas do rito romano. Busca uma
aproximação à cultura tradicional afro-brasileira, almejando seus valores
referencias, a epopéia da raça negra, suas concepções religiosas e seu
folclore. Não assim, didaticamente separados, mas unidos, não como negros, mas
como povo de Deus, povo brasileiro, cidadãos, num intercâmbio cultural-religioso.
O professor Antônio Gaio Sobrinho teceu sábias palavras sobre esta celebração,
que enaltece as virtudes e a fé dos afro-descendentes [43].
Nos trajes, estão os abadás, panos-da-costa, eketés à cabeça, colares e guias ao
pescoço, rosários. A animação musical é feita com atabaques e agogô, como na
senzala, como no terreiro. Algumas referências da umbanda e sobretudo do
candomblé estão ecumenicamente presentes.
As entradas são sempre dançantes, com muita música e cantos evocadores,
sob o agito de bandeiras desfraldadas.
A entrada da bíblia é uma festa à parte, precedida a
Palavra de Deus, de tochas feitas de gomos de bambu. Crianças jogam flores e
varrem o caminho com vassouras de capim.
O ofertório, além das
convencionais galheta, âmbola, cálice e patena, tem a seguir, a entrada do
grupo todo, levando ao altar suas ofertas: enxada, caldeirão, cana, café,
pipoca, milho, broa, biscoito, alecrim, manjericão, rapadura, bilha d’água,
esteira – símbolos do trabalho da terra, alimentos, remédios, ervas sagradas,
arrancadas com o suor e ofertadas como primícias. A Comissão do Divino
participava nesta hora da seguinte forma: o imperador eleito à dianteira
levando um lírio branco, em homenagem a São José (o lírio é sua flor votiva,
símbolo da pureza); o coroado tendo à mão as insígnias argênteas; os demais,
com bandeiras e estandartes pentecostais. Ultimamente a participação tem sido
mudada de forma a cada ano.
Destaca-se
muito a ação de graças, ao término da celebração, quando, sob cantos, os
membros do Grupo Raízes, distribuem livremente aos fiéis os alimentos que foram
abençoados ao pé do altar e todos acorrem para provar.
Como lição religiosa prática
é um exemplo cristão do ato de dividir, do compartilhar, com alegria,
satisfação e fraternidade. Eis a mensagem final desta celebração, que em tudo
demonstra quanto é negativo o racismo e a discriminação. Valoriza o negro.
Combate toda forma de sua exclusão na sociedade.
A
experiência do Grupo Raízes, aliada à dedicação de seus membros, a constante
criatividade e grande dinâmica, faz com que cada missa dessas seja diferente da
outra. Some-se isto às mudanças de celebrantes e concelebrantes, cada um
imprimindo sua marca pessoal ao momento. A existência de uma pastoral
específica na diocese e a celebração por seu próprio coordenador fortaleceu os
objetivos desta missa. Vale ainda frisar a recente participação dos estudantes
africanos da Universidade Federal de São João del-Rei.
A transmissão dos ideais
cristãos num aspecto colorido, alegre e musical, faz esta missa ser muito
concorrida e esperada.
A investigação mais
detalhada vai porém além do mero assistir, ano a ano, rezar e opinar. Revela em
respeito a essa missa nuances mais complexas e por vezes tensivas dentro da
sociedade são-joanense, com um passado fortemente escravocrata e herdeira do
barroco; por conseguinte, conservadora. Ainda mesmo que Matosinhos esteja fora
desse núcleo barroco, mas dentro de uma cidade barroca; ainda que sua igreja
primitiva tenha dado lugar a uma modernista; ainda que seu pároco tenha uma
competente postura amadurecida e de vanguarda, ainda assim, esta celebração não
esteve isenta de poréns desde que implantada em 2000 [44].
Se
a festa antiga vetava ao negro não a presença, mas a participação efetiva, o
envolvimento direto, a atual felizmente evoluiu e não resta dúvidas, o
afro-descendente conquistou o seu lugar, como imperador, como festeiro na
igualdade da mesa de reuniões, com a presença ativa dentro dos congados, folias
e nesta missa. Sua auto-afirmação se faz notar por todos esses meios, mas é sem
dúvidas mais forte no congado. É fato recorrente a pouca freqüência de negros
assistindo esta missa ao passo que se lota o santuário de brancos,
aparentemente mais por curiosidade que por devoção. O Grupo Raízes vem
trabalhando incansavelmente nos aspectos da conscientização, o que é de colheita
lenta. Mas ainda um outro aspecto frustrante se revela na quase total ausência
de congadeiros das cinco guardas da cidade dentro do próprio grupo, embora
indiretamente envolvidos, haja vista sua relação na festa do Rosário no Bairro
São Geraldo. Já por isto uma lebre levantada é da missa conga futuramente
substituir a afro, ou existirem ambas, sendo a conga no domingo, ideia que de
outro lado é rebatida pela vertente que teme a presença de elementos dos
festejos do Rosário dentro da festa do Divino, julgando-os descaracterizadores
para este contexto.
Seja como for, é de se
observar que os festeiros têm difundido esta missa como uma grande atração para
a festa, tanto que é possível rastrear sem grandes esforços a sua massiva
divulgação, superando a de outros eventos da festa o que é sem dúvidas
questionável. Não por ser inculturada mas porque implica em juízo de valor da
própria comissão organizadora sobre os ítens da festa que ela mesma organiza.
Ora, o outdoor de 2008 por exemplo,
listou-a expressamente, mas não se referiu ao levantamento dos mastros que
ocorreu no dia anterior, evento folclórico de significado religioso muito mais
significativo para os rituais da cultura popular que esta missa. As folias
igualmente, que trabalham durante quase dois meses em favor da festa e
revertem-lhe não só dinheiro vivo como também efetiva divulgação, estiveram
sistematicamente fora de anúncio no out-door,
folder e cartaz desse ano, embora
surgindo no informativo. A missa inculturada não faltou a nenhum desses
veículos midiáticos. Não se trata de fato isolado. Esta queixa não é
particular, embora eu a corrobore como responsável por uma das folias da
cidade, mas sim de alguns folieiros que notaram a ausência de propaganda das
folias. Portanto esta observação não tem absolutamente nada a ver com racismo e
discriminação. Pelo contrário. As folias é que têm sido discriminadas. É apenas
o querer e o necessitar de pé de igualdade entre os múltiplos eventos ou
instantes que compõem o todo festivo.
Não obstante, os já citados
aspectos positivos desta celebração, ela tem gerado controvérsias que partem de
setores conservadores do catolicismo na cidade, julgando-a desrespeitosa ao
altar ou por demais teatral. Vai ainda pelos mesmos uma dose crítica ao
figurino que se prende mais aos modelos iorubás, enquanto os bantos que foram
os africanos dominantes nesta região toda foram suplantados como referência
cultural.
28- Cortejo
A festa comporta dois
cortejos constituídos pelos congados. Pela manhã há um mais simples que segue
do santuário ao Salão Comunitário de Santo Antônio, onde estão reis, rainhas,
príncipes e princesas e ainda os juízes honorários – de manto, de vara, de
ramalhete. Os congados ali vão a fim de recolher os membros do reinado e do
juizado e os escoltam de volta ao Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. Os
grupos participantes não têm ordem específica no cortejo a não ser pelo
respeito à retaguarda que pertence aos moçambiques. A não observação desse
aspecto em 2009 carreou situações tensivas.
O segundo cortejo, dito
imperial, é o mais pomposo e sem dúvidas o mais importante, saindo do santuário
rumo à Gruta do Divino, onde está o imperador junto ao império. Saúdam-lhe e o
levam para Matosinhos.
A ordem do cortejo imperial,
montado pelos capitães-meirinhos e meirinhos obedece, ou busca obedecer, dentro
das possibilidades do bom senso, à hierarquia estabelecida entre a irmandade
congadeira. Na dianteira vão as chamadas “guardas de córte”, que são aquelas
que percutem bastões ou manguaras - o bate-paus e o vilão, respectivamente, que
são como um pelotão que abre o caminho - seguindo-se para trás os marujos,
caboclos, catupés, congos e moçambiques, nesta ordem. Na concepção do dançante,
quanto mais na retaguarda, mais importante é o papel que tem a guarda no
contexto da tradição sagrada. Em São João del-Rei, por razões incontornáveis,
tem sido aberta exceção de pôr na guia do cortejo um catupé da cidade.
Assim
se forma o cortejo imperial, em alguns lugares chamado procissão da coroa: na
dianteira o cruciferário (irmão do Santíssimo), seguido dos guarda-coroa com
espadas cruzadas, os congados na ordem já relatada, guarda de honra e pajens, o
imperador no quadro, sob a umbela, andor de Nossa Senhora do Rosário sob a escolta
dos irmãos com suas lanternas, mais um par de guarda-coroa com suas espadas
fechando.
Tem-se
um cuidado extremado em conservar a harmonia do cortejo - o que não é fácil –
evitando-se espaços grandes entre os congados o que na concepção religiosa
indica uma quebra da corrente de forças, como se houvesse rebentado um rosário.
Para tal deve haver um profundo desdobramento de atividade dos meirinhos e
capitães-meirinhos.
Da
gruta sai o imperador coroado com sua escolta e o andor do Rosário. Na passagem
pelo Salão Comunitário de Santa Clara ingressa o imperador eleito.
O
cortejo em si é o que há de mais alegre e colorido nesta festa e pode-se mesmo
afirmar sem dúvidas que é seu ponto de maior atração visual.
A
passagem pela Rua Bernardo Guimarães merece destaque pelo apreço que os
moradores daquela via têm pelo evento, providenciando uma vistosa ornamentação.
A
chegada ao santuário é primorosa, ao som de fogos, vivas, sinos, muita cantoria
e toques. Adentram e entregam o imperador junto ao altar. Desde 2007 antes da
entrada os imperadores vem ao coreto onde são saudados pelos dançantes.
29- Homenagens
Dirigem-se às figuras de destaque no jubileu, tais
como foliões, capitães, ex-imperadores, chefes de equipes de trabalho e outros.
Antes de 2005 foram feitas algumas isoladamente a certas pessoas que dela
fizeram jus de forma especial. Por vezes era apenas homenagem verbal ao
microfone, outras vezes enriquecida pela oferta de uma bandeira, bastão,
pingente representando a pomba divina, cartucho de amêndoas. A partir desse ano
(inclusive) institui-se a entrega de diplomas de honra ao mérito e variando a
cada festa, também, chaveiro, bandeira para folias, mini-estandarte,
mini-mastro, à guisa de lembrança do evento e reconhecimento pelos esforços.
Cito à parte a condecoração “Estrela Guia do
Oriente”, concedida pela Federação do Reisado do Estado do Rio de Janeiro, aqui
representada na festa de 2002 pelo folclorista Affonso Maria Furtado da Silva,
membro de sua diretoria, ao nosso folião Sebastião Teodoro da Silva.
[1] - O Diário
do Comércio, n. 3654, de 06/05/1950: afirma que na festa da Trindade, em
Tiradentes, após a sua novena e o domingo consagrado, no dia seguinte, seria
festejado o Divino Espírito Santo.
[2] - A
Pátria Mineira, n. 106, 21/05/1891. Para acesso a mais notícias sobre festa
do Divino na Zona da Mata, ver: SANT’ANA, Terezinha Azis Alexandre. Viçosa: meu município. Viçosa:
Universitária, 1984. p. 35-38.
[3] - Destaque hoje na cidade para a ocorrência de
eventos ligados à música e de modo especial a atividade do CEREM (Centro de
Referência Musicológica José Maria Neves), fundado em 21/04/2006; Conservatório
Estadual de Música “Padre José Maria Xavier” (desde 1953), Sociedade de
Concertos Sinfônicos (1930), Orquestra Sacra “Lira Sanjoanense” (1776),
Orquestra Sacra “Ribeiro Bastos” (1790),
Faculdade de Música, da Universidade Federal de São João del-Rei (2006),
além das bandas de música: Teodoro de Faria (1902), Municipal Santa Cecília
(1968), Meninos de Dom Bosco (2001), do Exército – 11º B.I. Montanha (fim do
séc.XIX), Sinfônica do Conservatório Estadual de Música (19/12/2007). Além
dessas, existem as centenárias bandas distritais, de que são exemplo a de São
Miguel do Cajuru (anterior a 1905) e a do Rio das Mortes (1895). Houve na
primeira metade do século XX uma banda em São Gonçalo do Amarante. Em data recente surgiu uma banda no arraial de
Januário. Há vários corais de peso e respeitados compositores e arquivos
musicais. Em 2007 em Matosinhos surgiu
um centro de formação de músicos na paróquia e no ano seguinte a banda. As
cidades vizinhas de Tiradentes e Prados tem outrossim importante tradição
musical, com as corporações “Ramalho” e “Lira Ceciliana”, respectivamente,
ambas com orquestra e banda.
[5] - Seus artífices foram Altivo da Paixão Chaves
Berg e Nelson Domingos de Abreu. Estilo colonial. Oitavado, com escada lateral
de acesso. Piso sob a forma de tablado. Cada lado é cercado por uma grade de
madeira trabalhada, presa às colunas de sustentação, também oitavadas, feitas
de madeira de paraju. Cúpula de lona plástica, amarela, apoiada sobre estrutura
de réguas em espinha de peixe. Píncaro metálico, em cujo topo, desde 2001,
esvoaça um galhardete com a efígie do Divino. Em 2003 foram acrescidas
ponteiras de acabamento nas quinas superiores, junto à cúpula. Base ocultada
por uma faixa de tecido americano cru. Iluminação: lustre central pendente de
uma argola, confeccionado nesta cidade na Oficina do Cuim; arandelas duplas nas
colunas. Área: 36 m2. Cor: branco, azul e vermelho, em tons coloniais. Apenas em 1998 foi
armado fora da festa, em Itaipava / RJ. Em 2006 ganhou lona de cobertura nova,
vermelha. A partir de 2008 ganhou uma escada frontal, ampla, com a retirada de
uma das grades, para facilitar acesso e a saudação ao imperador pelos congados.
[6] - Cf. OURIQUE, Ana Zenaide Gomes, JACHMET, Célia
Silva. Cavalhadas: uma tradição de
raiz milenar. Porto Alegre: Est, 1997.
[9] - Parte das informações sobre esta dança já
inclui no texto Cavalhada e Dança-dos-Velhos: folclore de Matosinhos no século
XIX. O Grande Matosinhos,
ASMAT, dez. / 2000. Ano 2, n. 14.
[10] - Cf.:
PASSARELLI, Ulisses. Contradança. Revista
da Comissão Mineira de Folclore, Belo Horizonte, ag. / 2002. n. 23. p.
15-22.
[11] - Na
região de Estrela do Oeste/MG, a contradança sai às ruas portando uma bandeira
com efígie do santo protetor e ganha ares de congado. Executam também a dança
das fitas.
[12] - Havia liteiras carregadas nos ombros por
escravos e as conduzidas por cavalos arreeados. Veja-se este anúncio acerca do
segundo tipo: “Vende-se uma boa liteira
arreiada com arreios novos e magnificos. Quem pretender, informe-se nesta
redacção”. (O Resistente, n. 14,
26/06/1895.).
[20] - A
Bigorna, n. 1, 08/03/1923
[25] - Extraída em 2003 de um quadro afixado na
parede do vão lateral direito do Santuário da Santíssima Trindade, debaixo da escada
que dá acesso à sua imagem. Há também fotos históricas dos romeiros e ainda do
mutirão, com vários carros-de-boi, levado a efeito durante a construção da
murada do templo, de 13 de junho a 9 de outubro de 1933. Para maiores detalhes
sobre este jubileu irmão do são-joanense ver: MAIA, Pedro A., Padre. Peregrinos da Santíssima Trindade. São
Paulo: Loyola, 1986.
[26] - O Jubileu do Sr. Bom Jesus de Matosinhos de
2009 teve a visita da imagem da Santíssima Trindade de Tiradentes. Como
retribuição o Jubileu da Santíssima Trindade de Tiradentes do ano seguinte
contou com a presença da imagem do Senhor de Matosinhos, com o aval das
respectivas autoridades eclesiásticas e neste último caso, sob a incumbência
dos festeiros do Divino.
[27] - Por exemplo, na festa do Rosário de
Mocambeiro/MG (1997), entre tantos personagens havia o “rei do império”.
[28] -
A Tribuna, 09/05/1915. Consta também
a imperatriz (Emília Moreira Marques), presidente, secretário, síndico e
procurador
[29] - Cf.: Arauto
de Minas, n. 12, 26/05/1877. A nota crítica traz o título “Até os mortos!” e seu autor se esconde sob o
pseudônimo “Zé Inglez”. Prossegue com outras frases de ironia.
[32] - Natural de Conceição da Barra de Minas,
faleceu em janeiro de 2003. Foi fundador e presidente da Conferência de Santo
André, sediada na Igreja de São Judas Tadeu.
[33] - NUNES, Lélia Pereira da Silva. A
Festa do Espírito Santo em Santa Catarina: notícia de uma tradição. XI
Congresso Brasileiro de Folclore, Goiânia, 19-22/10/2004. Anais. Comissão
Nacional de Folclore / Comissão Goiana de Folclore, 2004. 577 p. p. 515-518.
[34] - S.João
del-Rei, n.6, 04/03/1899.
[39] - Este grupo, ativo entre 2000 e 2002, tinha características
semelhantes às do Grupo Raízes da Terra. Era organizado por Márcia Aparecida
Lopes, no Bairro São Dimas, que também mantinha, concomitantemente um grupo de
moçambique bate-paus, infantil e feminino.
[40] - Agora o nicho fica vazio pois a imagem de
Santo Antônio permanece o ano todo na sala da Comissão do Divino.
[41] - Pai tempo: a
palavra tempo pode ser aqui entendida de dois modos: a) as forças naturais,
físicas, metereológicas, carreadas da atmosfera, do espaço sideral ao dito
mastro, pela força das entidades que aí trabalham no âmbito espiritual
(coletivamente chamadas “forças do tempo”); b) uma referência específica à
entidade superior chamada Tempo ou Tempô, um inquice dos terreiros de nação
angola-congo e dos candomblés de caboclo, nos quais também é chamado “Encantado
do Juremeiro”. Corresponde ao orixá Iroko (nação nagô) e ao vodum Lôko (nação
jeje). No sincretismo configura-se com São Francisco de Assis ou segundo outras
fontes com São Benedito. Seu domínio é a árvore morácea Ficus pohliana, popularmente
conhecida por figueira-brava, gameleira e mata-pau.
[42] - O detalhes, debruns, frisos, são com
freqüência dourados ou prateados, cores que evocam o ouro e a prata, riquezas
condizentes com a ideia de monarquia, realeza, senhorio, fidalguia – império...
do Divino.
[44] - Embora o Grupo Raízes participasse desde
1998, dançando apenas no adro. Em 2007 a celebração teve o professor Antônio
Gaio Sobrinho como comentarista. Desde o ano anterior houve transmissão
televisiva, que trouxe grande repercussão, intensificando as questões teóricas
a seu respeito já que muita gente que nunca a tinha assistido ao vivo passou a
vê-la no sofá de casa.
Notas e Créditos
* Anos depois, os mastros foram mudados de novo de lugar, desta feita em posicionamento de triângulo, na dianteira da igreja, à esquerda de quem entra pela porta principal, a contra-gosto dos congadeiros que lançaram seu augúrio. O fato foi dado como supersticioso. Ocorre que foram fincados na sexta, início da novena, e na terça-feira seguinte, um dos festeiros sentiu-se mal, foi socorrido mas não resistiu. Sua morte consternou a todos, pessoa queridíssima que era e o restante da festa correu sem graça, lutuosa. O fato obviamente foi dado como coincidência, mas o fato é que só reforçou a crença que mastro não se muda de lugar.
**Texto: Ulisses Passarelli.
*** Foto: Iago C.S. Passarelli, 2012.
**** Sobre mastros ver também a apresentação de slides Mastros Votivos.
Obrigado Ulisses,
ResponderExcluirtenho vindo 'beber' na fonte para poder embasar melhor minhas conversas com meus alunos de agora por diante.
Abraço.
Mércia