O Processo de Romanização
A romanização suprareferida,
data de fato das últimas décadas do século XIX. Trata-se em linhas gerais, das
diretrizes condutoras da Igreja, que buscavam afastar suas cerimônias e rituais
de manifestações populares, aproximando-as da forma dos ritos católicos romanos.
A nova regra impunha mudanças ao modo relativamente mais livre pelo qual
caminhava o catolicismo até então, com grande parte das atividades nas mãos do
povo. A Igreja tinha ainda ares coloniais e era mister modernizá-la, frente aos
seus interesses, tolhendo a força leiga e fortalecendo a dos agentes
eclesiásticos oficiais.
Numa de suas capacitadas conferências, Antônio Gaio Sobrinho, do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, frisou [1]:
Numa de suas capacitadas conferências, Antônio Gaio Sobrinho, do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, frisou [1]:
Esse contexto histórico e religioso do tempo colonial, tão expressivo e
cheio de história, permaneceu praticamente inalterado até o final do século
imperial, só vindo a sofrer mudanças após o Concílio Vaticano I, de 1870,
quando teve início o processo de romanização do catolicismo colonial brasileiro.
Os
braços de Roma chegaram ao Brasil, inclusive aqui. A ação se constituiu de um
longo processo.
ADÃO (2001) estudou magistralmente o peso da romanização sobre as festas de Matosinhos, sendo o primeiro a chamar a atenção para o fato, em tese defendida na UNICAMP e em palestra proferida no Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei.
ADÃO (2001) estudou magistralmente o peso da romanização sobre as festas de Matosinhos, sendo o primeiro a chamar a atenção para o fato, em tese defendida na UNICAMP e em palestra proferida no Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei.
Uma das estratégias era a introdução de novas devoções e o concomitante esmaecimento de outras mais antigas, que davam margem a expressões da religiosidade popular. Uma que foi introduzida com grande êxito foi a do Sagrado Coração de Jesus e em paralelo a do Imaculado Coração de Maria [2]. Cristo ganharia maior atenção que os santos e o sacramento da comunhão deveria ser valorizado. Não houve um ato, mas muitas ações. Julgo útil transcrever aqui trechos do ensinamento de Frei Chico sobre a religiosidade popular [3]:
No ano de 1889 foi proclamada a República e, logo em seguida, veio a
separação da Igreja e do Estado (...) A Igreja oficial procurou
novos caminhos e buscou inspiração na Igreja da Europa, (...) forte tendência de
centralizar o poder nas mãos do Papa e pela uniformidade doutrinal que levou à
definição da infalibilidade papal. (...) supervalorização da
moralização dos costumes e uma espiritualização do clero, voltado para questões
internas da Igreja e desligado dos problemas sociais e políticos. (...) Para conformar a Igreja
daqui aos moldes europeus, houve a reorganização dos seminários para melhorar a
formação do clero. Nesse tempo vieram muitas congregações de padres e
religiosos da Europa para trabalhar na formação da juventude. O sistema
paroquial mudou e tudo ficou mais centralizado nas mãos dos vigários. Isso
acabou provocando grandes desentendimentos com as irmandades, etc.
Matosinhos
seria um foco a se romanizar. A cultura popular forte poderia impor uma
barreira para os ideais catequéticos em voga. Para tanto tomaram-se as medidas
afins, mais visíveis nos anos vinte.
Foram enviados missionários redentoristas em 1923, vindos de Juiz de Fora, conforme noticiam dois textos : “Missões em Mattosinhos” e “Santas Missões”. Portanto antes da festa. Aliás, a festa desse ano foi já noutro padrão, ditado pelos visitantes, que atraíram grande número de fiéis. Apresentou-se a banda de música São Francisco, do Ginásio Santo Antônio. O vigário frei Cândido Wroomans recepcionou os visitantes. As pregações já trouxeram outro enfoque, desviando as atenções para o Senhor de Matosinhos.
Foram enviados missionários redentoristas em 1923, vindos de Juiz de Fora, conforme noticiam dois textos : “Missões em Mattosinhos” e “Santas Missões”. Portanto antes da festa. Aliás, a festa desse ano foi já noutro padrão, ditado pelos visitantes, que atraíram grande número de fiéis. Apresentou-se a banda de música São Francisco, do Ginásio Santo Antônio. O vigário frei Cândido Wroomans recepcionou os visitantes. As pregações já trouxeram outro enfoque, desviando as atenções para o Senhor de Matosinhos.
Notícias jornalísticas das festividades missionárias em Matosinhos. Foto-montagem do acervo digital da Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida, São João del-Rei. |
A fonte supracitada informou: “as missões foram abertas pelo “Veni Creator” e continuarão até 3 de Maio. Este dia será celebrado ás 7 ½ horas uma S.Missa Campal”.
O texto, “Festa em Mattozinhos”, noticiou a tal missa campal e a presença da já referida banda. Houve uma procissão acompanhada pela banda militar. Além disso, sermão, Te-Deum laudamus, bênção do Santíssimo Sacramento e bênção papal. Os transportes ferroviários estiveram disponíveis a cada meia-hora. Os números foram propositalmente destacados, impressionantes para a época: 1060 confissões, 1800 comunhões, 4000 fiéis no domingo. Homenagearam-se os missionários Affonso Mathijsen e Joaquim von Dongen [4].
Em
“S. Missões em Mattosinhos”, repete-se informações já dadas, querendo
obviamente frisar a diretriz missionária que dava nova feição aos festejos.
Atestou 2000 participantes e 3000 assistentes; 1154 confissões, 2649 comunhões,
sendo transportados pelo “AUTO OMNIBUS
1812 passageiros e vendidas só no ultimo dia pela EFOM mil passagens” [5].
Graças a Deus os São-joannenses e sobretudo os Mattozinhenses apreciam
o vetusto sanctuario que possuem, valorização que queira Deus reflicta sobre o
Estado de Minas todo e sobre o Brazil, quando a Santa Sé um dia se dignar de
conceder o privilegio de jubileu!
Pelo
visto portanto o título jubilar de 1783 (que é bem claro, destinava-se às festas
pentecostais) já era desconsiderado, por ter caído no total desconhecimento. O
novo jubileu que se pretendia seria específico para o Bom Jesus, destinando-se
a festejá-lo a 03 de maio.
Nestes
números não se refere à jogatina; pelo contrário, como atesta este último
citado:
sem que houvesse uma dissonancia nessa concurrencia enorme popular, nem
siquer a menor falta de respeito que fosse desviar a benevola attenção da massa
correram os actos religiosos da maneira a mais desejada.
Mas
no ano seguinte a festa é suspensa sob o pretexto dos jogos. Se a almejada
moralização que os padres desejavam fora enfim alcançada, por que não mantê-la
em vez de proibir a festa? A título de exemplo basta dizer que houve êxito no
combate ao jogo quando a polícia foi envolvida: em 1892 (“pela primeira vez , desde longos anos, a roleta deixou de funcionar” [6]),
em 1916 (“jogos contra os quais o sr. Dr. Chefe de Polícia tanto se insurgiu,
não vimos, jogo da cabra cega, jogo de empurra, jogo da bisca, do truco, do
dominó, do víspora, de espírito, etc.” [7]),
em 1920 (“não foram consentidas as
barracas de jogos” [8]).
Todos os jogos no município eram proibidos pelo Código de Posturas da Câmara,
versão de 1887, artigos 155 e 156, exceção feita ao bilhar, bagatella e gamão,
desde que licenciados pelos vereadores. Roleta, roda da fortuna e semelhantes
não eram consentidos nem para casas particulares. Portanto, aproximadamente na
época que o jogo começou, havia mecanismo legal na cidade para respaldar uma
ação mais firme.
Em
1924, o arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira, aqui esteve e
logo a oposição acusou frei Cândido de ter se aproveitado da oportunidade para
convencê-lo a suprimir os festejos. Defendeu-se, respondendo ao principal
opositor, Bento Ernesto Júnior, que as conversas sobre a paralisação já estavam
em andamento quando Dom Helvécio veio a São João e que aqui o assunto não fora
tratado: “antes
que o Exmo. Snr. Arcebispo poz um pé em São João d’El-Rey já se tratava desta
questão e o Snr. sabia disto por minha carta particular”. Ficou
assim uma palavra contra a outra...
Ainda
esse jornal nos dá conta da vinda da autoridade eclesiástica, com uma comitiva,
em trem especial, tendo também visitado Tiradentes. Uma multidão foi assistir.
Para a pequena cidade provinciana era um acontecimento extraordinário e digno
de todo respeito e apreço [9].
O
número seguinte, de 24 do mesmo mês e ano, traz texto intitulado “D. Helvecio
em São João d’El-Rey”, assinado pelo pároco monsenhor Gustavo Ernesto Coelho. O
autor justifica que pouco participou das atividades arquiepiscopais por motivo
de doença, sendo contudo representado por seu coadjutor, frei Cândido. Exaltou
os atos religiosos solenes efetuados.
Logo
após o arcebispo partir, divulgou-se a notícia da proibição.
Na
já citada carta de resposta de frei Cândido a Bento Ernesto Júnior, encontra-se
o fio da meada, que indicará o terceiro fator que colaborou para a suspensão
dos festejos: um suposto interesse desconhecido do arcebispo por outras
festividades, que não a daqui, e que se procurou deixar “por debaixo dos
panos”.
O Snr. pergunta: porque a suppressão não se estendeu até a festa de
SS.Trindade em Tiradentes que é a mesmissima festa de Mattozinhos com algumas
aggravantes a mais! Ora! Assim não põe em descredito todas as familias de
Tiradentes tambem? E outra pergunta do Snr. ao anonymo, João Thomé; porque não
foi prohibida a festa de Congonhas? Mas esta festa com toda a jogatina ainda
não acabou ou não vae acabar?
O
frei não pôde responder ao opositor adequadamente e desconversou autoritariamente: “o nosso Arcebispo no governo da sua diocese
não precisa dar explicação alguma de seus actos ao Snr. Bento”, ou seja,
não lhe deve satisfações. Bem se nota o ar de superioridade, de mando, de
poder, e de algo oculto, pois, se assim não fora, poder-se-ia ter publicamente
explicado.
Como
de fato nas festas de Tiradentes (Santíssima Trindade) e de Congonhas “do
Campo” (Senhor Bom Jesus de Matosinhos), medravam jogos de azar tanto quanto em
Matosinhos, ou em maior volume e ainda, exibições picarescas e truques de
mágica, visando pegar dinheiro dos incautos. Nunca foram proibidas como as de
São João. Por que? Se eram da mesma arquidiocese...
Comentava-se “a boca miúda” que Dom Helvécio tinha uma predileção especial por Congonhas, sua “menina dos olhos”, onde tinha francos interesses. Paralisando o festejo de Matosinhos deslocaria uma boa parcela dos romeiros para lá, fazendo com que aquela festa explodisse em crescimento desde então.
Comentava-se “a boca miúda” que Dom Helvécio tinha uma predileção especial por Congonhas, sua “menina dos olhos”, onde tinha francos interesses. Paralisando o festejo de Matosinhos deslocaria uma boa parcela dos romeiros para lá, fazendo com que aquela festa explodisse em crescimento desde então.
Este terceiro fator, que teria também o seu peso, é meramente hipotético, pois não há provas averiguadas.
Concluindo, dizer-se-ia que a festa foi paralisada em 1924 com pauta em três fatores: 1) jogatina (justificativa oficial), 2) romanização (o item de maior importância) e 3) supostas razões pessoais e desconhecidas de parte do clero (ligadas a interesses econômicos e políticos). Pelo menos é o que se depreende da documentação disponibilizada e da leitura dos discursos dos agentes eclesiásticos e populares. A abertura dos arquivos da Igreja deverá revelar novas nuances dessa questão.
Conforme foi dito, a romanização conheceu vários momentos e teve por assim dizer picos de atuação. A polêmica parada da festa foi um dos episódios, mas não o único. As santas missões de 1923, também. Mas bem antes dessa, em 1897, houve outra missão [10].
Também
noutros eventos católicos a tônica era a mesma. A cidade tão católica
mobilizava-se toda para acolher a palavra enfática dos pregadores. Veja-se por
exemplo o 1º Congresso Eucarístico Regional, de 1933. Encerrou-se com uma muito
solene procissão eucarística, presidida por Dom Helvécio Gomes de Oliveira. O
carro triunfal do Santíssimo foi conduzido pela oficialidade.
Bem mais tarde houve mais um momento importantíssimo para Matosinhos: a missão de 1947. Os missionários redentoristas fizeram relevantes pregações integrando os devotos aos ideais evangelizadores de então. Houve uma procissão do Bom Jesus da Cana Verde e uma coroação de Nossa Senhora (usando para tanto a imagem da Virgem da Lapa). A imprensa da época, nas páginas do jornal Diário do Comércio, deu grande apoio à passagem dos missionários, que atuaram em toda a cidade. Mesmo quando a celebração não era em Matosinhos, reuniam-se devotos de toda a cidade, como um grande acontecimento que foi para a imensa maioria católica. O clero local ia em peso. Posteriormente, retransmitia aos seus paroquianos a essência daquelas pregações. Destaco desse jornal:
A cidade recebeu
festivamente os revos. Missionarios Redentoristas que aqui vêm pregar as Santas
Missões. Multidão incalculavel compareceu á gare da Rede Mineira de Viação para
dar as boas vindas aos ilustrados sacerdotes. Entre eles figura o revo. Padre
Francisco Ferreira ilustrado orador sacro já bastante conhecido e querido nesta
cidade. A pregação das Missões nas duas paróquias do Pilar e a de São João
Bosco tiveram inicio ontem e se prolongarão até o dia 4 de maio próximo. (n. 2.770,
24/04/1947)
* * *
A procissão da
penitência, realizada na tarde de quinta-feira, foi uma empolgante manifestação
de fé, que pela imensa multidão que tomou parte, quer pela piedade e
recolhimento dos fieis. (n. 2.772, 26/04/1947)
* * *
Em tempos tão
corruptos e depravados como o nosso há almas que vivem miseravelmente atoladas
no pecado (...) Ajudemos os missionarios no seu trabalho
apostolico. (idem; é outro texto, assinado por Nina Rosa)
* * *
Estes
abnegados mensageiros de Cristo que só visam a espansão do reino do Pai e o
conhecimento mais perfeito da sua doutrina, sacrificam, o seu proprio bem estar
o seu comodismo, para na sua missão verdadeiramente apostólica, seguirem as
pegadas do divino Mestre, e cumprirem, assim, o que eles lhes mandou que
fizessem : “Ide e ensinai a todos os pobres...”
(n.
2.773, 27/04/1947, assinado por Samu)
* * *
Aviso Ordem 3ª
do Carmo – Por motivo do encerramento das Santas Missões, a 4 de Maio a reunião
mensal do mês de Maio fica transferida para a 2ª dominga, dia 11 de
Maio. Os C. C. Irmãos da Ordem e da
Confraria do Carmo não faltarão á reunião
do dia 11 de Maio. O Comissario. (n. 2.775, 30/04/1947)
As nossas
igrejas tem sido pequenas para conter tão elevado número de fiéis que acorrem
para ouvir as magnificas e oportunas pregações feitas pelo revos. Padres
Redentoristas, que ora nos visitam. (n. 2.776, 01/05/1947)
Também
o jornal O Correio, registrou em
três artigos, as intensas atividades desse evento: em “Santas Missões”, destaca
o convite que fora feito pelo vigário Mário Quintão para todos os devotos
prestigiarem o desembarque da comitiva; “A chegada dos missionários”, realça
que “toda São João del-Rei se achava
representada na recepção aos abnegados ministros de Deus, calculando-se em mais
de dez mil pessoas a grande multidão que se postou em frente à estação”;
“Santas Missões”, dá conta do sucesso do evento e de suas finalidades, à luz de
grande nomes do mundo católico. Chamo a atenção neste caso para o seguinte
trecho inspirado no Santo Padre Bento XIV, que muito bem traduz,
sintomaticamente, o objetivo da missão: “nada
contribui mais para corrigir os maus costumes do que procurar auxílio e forças
fora, isto é, fazer pregar por toda parte as Santas Missões”[11].
Está claro que os missionários vinham renovar catequeticamente os costumes
católicos, segundo os “novos” interesses da Igreja. Nesta renovação, a cultura
popular – tão arraigada às festas do Divino, Rosário e outras - era combatida
com vigor.
Dispensam comentários os efeitos que tamanha atividade religiosa surtiam na vida católica local, de uma pequena cidade interiorana. A edição d’O Correio n. 2.779, de seis de maio daquele ano, comenta sobre o êxito da missão, narrando que em seu encerramento, nas escadarias das Mercês reuniu-se uma gigantesca multidão que ali recebeu uma bênção papal. Houve grande procissão.
Estas realizações por assim dizer renovavam a prática católica festiva, como também a religiosidade cotidiana. O tom enfático dos discursos, a metodologia acusativa, fazendo a carapuça servir, mexia com os brios e a fé dos fiéis, incitando-os à nova ordem na força das admoestações, de uma oratória enérgica e imperativa. O catolicismo popular tornou-se um crime religioso. O catolicismo oficial era a rota da salvação.
Ainda a exemplo disto, tiveram também forte efeito sobre os fiéis, abrangendo a participação de todas as nossas igrejas (embora centrado no Pilar), em 1951, o Jubileu Máximo e o Congresso Mariano Regional, com extensa cobertura da imprensa. Foram episódios que reforçavam os anteriores.
Dentro deste processo romanizador, a transferência para setembro dos festejos do padroeiro de Matosinhos foi como um golpe de misericórdia sobre as manifestações populares das festas locais. Não descobri a data exata desse acontecimento importante, nem tampouco sei de quem o saiba. No estágio atual das pesquisas só se pode supor. Pelo menos por enquanto. Assim creio, possa ter sido de forma mais plausível entre 1949 e 1952. Ora, sempre esta comemoração fora na segunda-feira após o Pentecostes. Em 1924 surge a notícia do jubileu que seria concedido para tal festa a 3 de maio (dia da Invenção da Santa Cruz). Como de fato a festa do Bom Jesus se transfere para esta data. As santas missões de 47 ainda festejaram em Matosinhos em maio, mas em 1952 houve a bênção do novo andor do Senhor Bom Jesus de Matosinhos (que serviu de motivo central para animadas festividades na sua capela), já então em setembro. Este andor até hoje é anualmente usado. Ocorre que 3 de maio era ocasião de muita popularidade, com ricas manifestações folclóricas em torno da cruz de Cristo. A outra comemoração da cruz por sua vez, 14 de setembro (dia da Exaltação da Santa Cruz), nunca foi data querida do povo para festejos folclóricos. Nada mais lógico e natural, que, portanto, se transferisse as comemorações da Santa Cruz de maio para setembro, o que não ocorreu só aqui em São João del-Rei. O avançar das pesquisas deve clarear este fato e corrigir possíveis erros. Aquele caso da festa de 1924 ter ocorrido em setembro, não deve ser levado em conta aqui. Foi só uma eventualidade, por conta da excessiva pressão imposta pela imprensa, políticos e povo em razão de não ter ocorrido na data habitual, com toda a polêmica despertada. Imediatamente voltou a Pentecostes, mas por pouco tempo.
Quando a festa do Bom Jesus é transferida da segunda-feira após Pentecostes para 3 de maio, depois de 1932, como mostram as notícias do jornal Folha Nova, a festa do Divino desaparece pois ficaria isolada em Pentecostes, tolhida de caráter folclórico e sem qualquer expressividade evangelizadora. Pentecostes só não passava em branco de tudo por ser data oficial do calendário litúrgico que a Igreja festeja universalmente. Por essas alturas, nesse clima impróprio, já nem se ouvia falar de festa de Nossa Senhora da Lapa ou de Santana. Todas as atenções se voltaram para o padroeiro. Só em 1949 a festa do Divino retornaria, como demonstrarei logo adiante.
Assim, concluindo, em 1924 não houve exatamente uma parada da festa do Divino de Matosinhos. A tão falada suspensão, supressão ou paralisação foi na verdade uma atitude drástica do clero para mudar-lhe radicalmente o caráter, como de fato conseguiu-se o intento. Daí por diante ela se tornou um evento cada vez mais humilde, desprovido de atrativos, freqüentada por poucos fiéis dos arredores da capela. Sumiu da imprensa que tanto lhe decantara. Sua celebridade tornou-se aspecto do passado. A última notícia rastreada é de 1932.
Em 1949 é reativada, como prova uma ata desse ano[12], cujas fotografias podem ser vistas abaixo. Este é o ano mais plausível da transferência da festa do Bom Jesus de 3 de maio para 14 de setembro. A Festa do Divino é então reativada para fechar a lacuna aberta nos tradicionais festejos de maio com a dita transferência. A ata está transcrita nos anexos desse trabalho. Nela há esta frase pouco esclarecedora mas importante: “(...) as festividades em honra ao Divino Espírito Santo, festividades estas que a longo tempo, por motivos diversos, não se realizavam”. (grifei) Ou seja, transferindo a do Bom Jesus para setembro, reativou-se a do Divino para reocupar a data centenária de festejos.
Haverá grande atividade para a conclusão da torre do santuário, tais
como rifas grandes, no decorrer do ano, praça de gado em Agôsto, etc. Para isto
conta com o trabalho dos cooperadores, que aliás, são de fato, os realizadores
das obras e, neste sentido incentivou-nos com palavras de animação, antevendo o
êxito e a corôa dos nossos, então, ínfimos esforços (08/031951, p. 8v.).
* * *
Em Matozinhos há poucas pessoas para o trabalho dos cooperadores,
havendo, portanto, muitas reclamações (26/07/1951, 11v.).
* * *
Em seguida perguntou-nos o Pe. Diretor (José Vieira de Vasconcelos) _ ‘Acham que o relógio está ficando
bonito?’ Disse-nos ele que este é o maior de Minas e que pesa mais de 1.000
quilos, sendo que veio da Suissa (sic),
e que foi comprado na melhor fábrica. A opinião dos presentes foi o grande
contentamento com o novo relógio de 4 mostradores (22/06/1952, 21v.).
No
princípio de 1951 havia 4.450 cooperadores matriculados, divididos por setores,
sob a coordenação de zeladores, inclusive na zona rural do município. Sua
atividade era muito grande por toda parte e se fez sentir forte em Matosinhos
quando este pertencia àquela paróquia salesiana. Haja vista por exemplo, que a
construção da Igreja de Santa Terezinha e seu centro anexo, foi devida aos
salesianos, que portanto, muito colaboraram com o grande bairro.
Seja como for, por interesse econômico ou religioso, a festa prosseguiu inexpressiva, ano após ano, mesmo quando da emancipação eclesiástica de Matosinhos e assim chegou até 1997, com uma novena, missa e rasoura – tudo pouquíssimo frequentado e sem o espírito de alegria que caracteriza os eventos ligados à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
Seja como for, por interesse econômico ou religioso, a festa prosseguiu inexpressiva, ano após ano, mesmo quando da emancipação eclesiástica de Matosinhos e assim chegou até 1997, com uma novena, missa e rasoura – tudo pouquíssimo frequentado e sem o espírito de alegria que caracteriza os eventos ligados à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.
* Texto, foto e fotomontagem: Ulisses Passarelli
[1] - Conferência apresentada em Baependi/MG a
22/05/2004, sob o título “São João del-Rei: contexto histórico religioso, Santo
Antônio do Rio das Mortes, nascimento de Nhá Chica”, Incluída nos anais do
evento “1º Encontro de Nhá Chica: mulher de Deus e do povo”.
[2] - A título de exemplo, em Tiradentes houve a Festa
do Coração de Jesus com pregações do vigário Parreiras, missa rezada, missa cantada,
procissão, Te-Deum e como engodo “queimar-se-á um lindo fogo de artificio,
preparado pelo habil pyrotechnico sr. Raymundo Velloso” (O Resistente, n. 12, 19/06/1895); em
São João del-Rei essa festa foi soleníssima nesse mesmo ano, com sermão do padre
francês Miguel Sipolis (O Resistente,
n. 14, 26/06/1895). Na relação de imagens da Capela de Matosinhos em 1903 dada
por José Cláudio Henriques, surge a do Sagrado Coração de Jesus. Em 1909 era
inaugurada na Colônia do José Teodoro uma capela sob esta invocação. Para saber mais a respeito veja: Velhas Notícias da Devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
[3] - POEL, Francisco van der, OFM , (Frei Chico). Os homens da dança: religiosidade
popular e catequese. São Paulo: Paulinas, 1986. 55 p.
[10] - O grande êxito da missão redentorista desse
ano, encerrada a 31 de maio, foi
comentado pelo O Resistente, n. 93,
03/06/1897. As missões se amiudaram inclusive na zona rural. Em 1907-08, em
clima festivo, passaram pelos distritos são-joanenses de Conceição da Barra
(emancipado em 1962 com o nome de Cassiterita; hoje Conceição da Barra de
Minas) e Nazareth (emancipado em 1948 com o nome de Nazareno). Houve
extraordinário número de confissões e comunhões (A Opinião, n. 21, 14/09/1907). Outra faceta romanizadora pode ser
rastreada na visita a São João del-Rei do Arcebispo de Mariana, Dom Silvério
Gomes Pimenta, em 01/02/1909 (cf. A
Opinião, n.60, 03/02/1909).
[11] - O
Correio, n. 2.103, 20/04/1947; n. 2.104, 27/04/1947 e n. 2.105, 04/05/1947,
respectivamente.
[12] - O livro
de atas estava numa sala do santuário e foi localizado numa caixa durante uma
limpeza, em 2005. Agradeço a Comissão do Divino, que gentilmente me emprestou
para avaliação.
[13] - Estava
sob a guarda de uma de suas ex-presidentes, minha tia paterna em 1ºgrau, Cirene
Passarelli.
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