A área do médio Rio das Mortes, onde está situada São João del-Rei era habitada por índios cataguás, puris e coroados.
Os
cataguás eram os mais bravios, da vasta etnia cariri, descendentes da longínqua
tribo dos tremembés (ou teremembés), que vindos em migração do Ceará,
habitantes que eram do Vale do Jaguaribe, dividiram-se em duas grandes hordas:
uma subiu o Rio São Francisco até as cabeceiras, a outra desceu o Rio Parnaíba
até a foz. Narra Diogo de Vasconcelos, que os dois grupos, já
desirmanados, encontraram-se no vale do Rio Grande ou Paraná [1]:
Travada aí a
luta pela posse do rio decidiu-se na barra do Sapucaí. Os vencidos transpondo
então a Mantiqueira foram se instalar na chã do Paraíba, cerca de Taubaté, e os
vencedores ficaram na terra conquistada, de onde se estenderam até o Rio das
Mortes, com o nome enfático de “catu-auá” (gente boa). Na guerra os índios
chamavam-se a si catu-auá e os inimigos “pixuauá” (gente ruim). Daí os cataguá (p.125).
Explica GUIMARÃES (1987), que tais índios guerreiros foram um empecilho à livre entrada do dominador branco nessa região. Batalhas teriam ocorrido nas margens do nosso Rio das Mortes [2]. Deixaram muitas marcas inclusive na toponímia [3].
Lembra
ainda este autor que o nome de Minas Gerais no fim do século XVII e princípio
do XVIII os referenciava: “País dos Cataguá”, “Campos Gerais dos Cataguá”, “Minas
dos Cataguá”.
SENNA
(1905) comentou sobre eles:
Cataguás - Nome de bellicosa nação selvagem com que primeiro se
enfretaram os Paulistas, ao descobrirem o territorio das Minas, desde o Sul ao
Centro e Oéste, na vasta bacia fluvial do Rio Grande, tendo sido afinal
completamente batidos pela bandeira de Lourenço Castanho, o Velho [4].
Coroados
e puris pertencem à etnia tupi e mantinham hostilidades entre si. São
originários dos goitacases (ou uetacás), do norte fluminense, região de Campos,
foz do Paraíba do Sul. Quando da invasão portuguesa foram de lá expulsos [5]. Debandaram-se e se dividiram em vários
agrupamentos que foram sendo cognominados como hordas próprias: araris, pitas,
chumetos, tampruns, sararicões, coroados (epíteto dado pelos brancos, em razão
do penteado que adotavam) e puris (termo depreciativo que os coroados lhes
davam, significando audaz ou bandido) [6].
TJADER (2004) esclarece que os goitacases, depois de longa luta contra os portugueses na
região de Campos, foram expulsos e seguiram para o interior, “em direção aos rios Muriaé, Pomba e
Paraibuna, acabando por se miscigenarem aos índios coropós, habitantes daquelas
áreas (...) Esta miscigenação foi a
origem da tribo dos coroados”. Acerca
dos puris informa que os tamoios do Rio de Janeiro e Parati, em debandada até o
médio Paraíba do Sul, o transpuseram para a outra margem e então, no decurso do
século XVII e no seguinte, entraram em choque com os coroados, posto que
invadiram suas terras, “dando origem a
novas tribos que se formaram, tais como a dos araris, a dos puris, todas lutando entre si mas igualmente todas tementes aos coroados” (p.24-25) [7].
Além do branco invasor, aqui se fixando a partir da última década do século XVII, vindo nas bandeiras ávidas por preciosidades minerais, preadoras de índios, pelo “Caminho Geral do Sertão”, vieram os negros, com a descoberta local do ouro nos primeiros anos dos setecentos, para o árduo trabalho nas minas. Já em 1708, São João del-Rei abrigava a “Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos”, como se chamava então. Predominaram os negros do grande grupo banto, embora tenham também vindo sudaneses (destacando os negros minas) e malês (muçulmanos), estes em menor número.
A
mistura racial foi óbvia, a exemplo do restante do país e foi na mestiçagem entre si e com o elemento branco, que
se fixaram muitas de nossas tradições, forjando a riqueza cultural que ainda nos é característica.
* Texto: Ulisses Passarelli
Notas e Créditos
* Texto: Ulisses Passarelli
[2] - Testemunhou Bernardo Xavier Pinto e Souza numa
memória escrita nos meados do século XIX, intitulada “Vila de São João del-Rei
- Cabeça da Comarca do Rio das Mortes”: “Descobrindo
Tomé Portes del-Rei, taubateano essas minas maravilhosas, não só pela
abundância de faisqueiras ricas, mas pela facilidade com que se extraia o ouro;
procedeu daí, que os indígenas do país opondo-se à bandeira dos novos
povoadores paulistas, defendendo-lhes os trabalhos de mineração, se armaram
contra eles; por cujo fato sofreram uns e outros os efeitos de uma batalha
renhida.” In: Revista do Arquivo Público Mineiro, ano
13, p. 588. Aureliano Pereira Corrêa
Pimentel, no “Município de São João del-Rei”, de 1905, corrobora esta
afirmação: “Os indígenas ribeirinhos do
Rio das Mortes logo se opuseram aos aventureiros paulistas, e com eles travaram
pelejas.” In: Revista do Arquivo Publico Mineiro, ano
10, f.1 e 2, p.7 (apud Geraldo
Guimarães).
[3] -
Registra-se na região de Lagoa Dourada e Entre Rios de Minas a designação de
Cataguá e suas variantes: Fazenda de Catauá, Córrego dos Cataguases, Córrego do
Cataguá ... e finalmente o arraial de Catauá, no município de Lagoa Dourada.
Também Santana dos Montes, antigo distrito do município de Conselheiro
Lafaiete, de 1943 a 1948, teve a denominação de Catauá.
[4] - Lourenço Castanho Taques viajava rumo a Goiás
à procura de ouro. Derrotou os índios no lugar chamado Conquista e os perseguiu
até os Sertões de Araxá. Daí seguiu rumo ao Rio Paracatu, junto ao qual fundou
a cidade homônima.
[6] - Esclarece-nos Jean Baptiste Debret que
insatisfeitos com o apelido, tais índios retrucavam contra os coroados, dizendo
que eles é que eram puris.
[7] - TJADER,
Rogério da Silva. Visconde do Rio Preto:
sua vida, sua obra, o esplendor de Valença. Valença: PC Duboc, 2004.
p.24-5.
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