quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Infra-estrutura em Matosinhos


            O século XX trouxe profundas mudanças a Matosinhos, trazendo-lhe de um lado o progresso e de outro tomando seu primitivo ar pitoresco, tão decantado. Problemas com iluminação, saneamento, pavimentação e abastecimento de água perpassaram as décadas aquém da necessidade real.
Logo à sua chegada o novo século traz a eletricidade ao bairro [1]

“Hoje inaugura-se em Mathosinhos, a luz electrica, nos constando que haverá na occasião da installação de mais este melhoramento no populoso, alegre e pittoresco arrabalde desta cidade, fogos, musica e outras manifestações de regosijo”.

            Não obstante o avanço a qualidade do serviço de iluminação era ruim. Sua precariedade gerava protestos nas letras jornalísticas são-joanenses. Veja-se o exemplo desta pitoresca e bem humorada reclamação [2]:

Bem humoradas reclamações sobre as falhas de fornecimento de energia elétrica

 Transcrição:

“RECLAMAÇÕES: a abaixo assignada, a bem da decência da cidade, requer a substituição da luz electrica por outra qualquer. D.VELA. Havendo a deposição da luz electrica, sou eleito com certeza. Dr.KEROSENE. O povo indignado com a luz electrica, é capaz de fazer greve e mandar cortal-a e eu fico na ponta, nos quartos das senhoritas, de que tenho tantas saudades. Dr. AZEITE. Se a luz electrica não concertar a Camara é capaz de illuminar a cidade como eu desejo. Dr. GAZ.”

            Persistiu por muitos anos o apelido pejorativo de Morro do Querosene à parte alta e entre o Pio XII e o Bom Pastor de Cima, nas cabeceiras do Córrego das Galinhas, lembrança anterior à eletricidade pública, quando as fumegantes lamparinas eram dominantes.
Mas a luz trouxe consigo um novo aspecto para as festas do bairro. O largo iluminado era um atrativo à parte [3]: “A Praça Chagas Doria se conservará grandiosamente ornamentada, ostentando abundante iluminação completamente augmentada e modificada”.
            Quanto ao saneamento, sua falta assim se configurava [4]: “Insistimos no pedido que já uma vez fizemos á Camara para que o seu digno presidente mande esgotar umas aguas estagnadas que existem no becco do Porto, além de Mattosinhos e proximo á ponte”.
            Essas águas parecem ser as do Córrego do Porto, minúsculo fluxo d’água, em parte aterrado e outro tanto manilhado, hoje seco, que descia rumo ao rio, numa vala, beirando a Rua Tomé Portes del-Rei. A nascente era na região do atual Conjunto INOCOOP.
Um interessante panorama do bairro no começo do século XX, nos dá esta página jornalística [5]:

"Este pittoresco arrabalde, cujo desenvolvimento é crescente dia á dia, já tendo localisados dous estabelecimentos industriaes, magnificas vivendas, com uma população bastante numerosa, com estabelecimentos de ensino, agencia postal, cortado pela estrada de ferro, com trens especiaes de communicação com a cidade, bem podia merecer mais a attenção dos poderes publicos. (...) Os habitantes de Mattosinhos queixam-se da falta d’agua, clamam contra o serviço de limpeza que é nullo, anceiam por se verem livres da mattaria que cresce com um viço admiravel, reclamam contra a lama e as poças d’agua apodrecida e gritam contra a cansuada que vagueia impunemente pelo largo, tolhendo a liberdade das familias." (etc.)

Os jornais de época revelam os descuidos de infra-estrutura da cidade como um todo e Matosinhos se encaixava neste contexto:


Transcrição:

"O dr.F.Catão realmente precisa de tomar um destes trens, mas para se ir de vez, mas para voltar o mais breve possivel, e trazer em sua companhia gente que nos ajude a fazer reclamações contra a agua suja, a praia suja, o matadouro sujo, as ruas sujas, que temos nesta hospitaleira,e salubre cidade." (O Grypho, n.10, 24/11/1907)"


Transcrição: 

Chuva Providencial

"Parece que alguém  lá das alturas, attendendo ás reclamações do povo, delle condoeu-se e mandou, no segundo dia de festas em Mattosinhos, uma chuvinha miuda incumbida de applacar o pó que era bárbaro e inclemente.
Ninguem lá de cima tem obrigação de mitigar os sofrimentos dos que estão cá em baixo, competi somente á Camara mandar irrigar o largo de Mattosinhos em fazer-lhe uma capina em regra, porque só ela tira proveitos do povo com pesados impostos e taxas absurdas. 
Os negocios de nossa Camara vão de mal a pior.
É o povo a queixar-se ao bispo. (A Nota, n.24, 30/05/1917)

            Um dos maiores problemas enfrentados pelo grande bairro no século XX  foi o da água potável e no seu rastro o do esgoto. Além disto, havia uma situação complicada nas áreas menos centrais, como a Vila Santa Terezinha. As chácaras de outrora eram auto-suficientes, com suas bicas, cisternas, poços e fossas. Mas com o seu fim e o grande número de casas, o abastecimento público e o saneamento básico não cresceram proporcionalmente. O jornal A Tribuna, ainda no remoto 1931, admoestava ao poder público para que atentasse para a água [6]:

É necessário, que a Prefeitura lance suas vistas para o mais precioso líquido, absolutamente indispensável a nossa existencia, que tanto o exige puro. Alguns habitantes daquelle importante bairro [Matosinhos] de nossa cidade, pedem-nos levemos ao conhecimento do sr. Prefeito a notavel falta de água d’ali, que elles vêm de há muito reclamando, sem ser ouvidos.

Clamores jornalísticos de 1934 sobre a necessidade 
de rede de esgotos em Matosinhos.

             Havia também um  problema com falta de capina. O mato excessivo gerou pedidos na imprensa de 1937:



            Algumas obras visando ao abastecimento começaram na década de cinqüenta, mas a seguir foram paralisadas. O Correio noticiou o reinício das ditas obras em Matosinhos e Vila Santa Terezinha [7].
            A falta de urbanização dessa última era notória no fim dos anos sessenta [8].
Idealizava-se uma sub-prefeitura para o bairro (até hoje esta idéia é comentada, mas sem efetivação à vista), visando a uma administração regional. Eis o triste panorama de então [9]:

Chega a ser incrível que os moradores ainda paguem os seus impostos. A Vila Santa Terezinha, a Vila Santo Antônio, a Vila Alberto Magalhães e outras, tanto no centro do bairro quanto nas extremidades, revelam à primeira vista a falta de atenção do poder público municipal (...) não há água suficiente, não há rêde de esgôtos, não há meios-fios, a iluminação é deficiente (...) Desde as medidas mais elementares da higiene e da segurança, tudo em Matozinhos está por fazer.

            Também A Comunidade fala sobre a necessidade de melhorias na rede de esgotos do bairro [10].
            Os apelos fortes da imprensa, tornando-se a voz popular, alavancaram as obras. O Prefeito Mário Lombardi inicia os melhoramentos na questão da água, ocasião que o Ponte da Cadeia comenta: “afirma-se que há mais de 20 anos os moradores não tem água com regularidade”. O mesmo jornal, noutra ocasião, informa que construíram dois poços artesianos (um deles o que está na Praça Pedro Paulo e outro na Avenida Santos Dumont, com estação de bombeamento), asfaltou algumas ruas e instalou bueiros [11].


Estação de água da Santos Dumont. 11/08/2013. 

            O Prefeito Otávio Neves fez obras importantes para melhorar o abastecimento [12]. Reativou o poço artesiano da Praça Pedro Paulo, abandonado a 7 anos e trouxe água para o grande bairro, canalizando-a desde a Cachoeira do Urubu. A travessia da adutora pela rodovia BR-265 foi um episódio à parte, onde rompendo a burocracia que travava a obra, o dito prefeito instalou os encanamentos assim mesmo.
No Pio XII a água também era problema e na caixa d’água de abastecimento desta parte de Matosinhos tinha até ratazana, denunciava a imprensa [13]. O padre de Matosinhos naquele tempo, Delçon de Oliveira, comentou na imprensa o grande número de problemas sociais e de infra-estrutura que por ali havia [14]. A seguir começam algumas obras prometendo jorrar água abundante sobre Matosinhos, a partir de captação no Água Limpa, próximo ao local chamado Capivara [15].
Em 1996 houve uma reforma da estação de bombeamento da Avenida Santos Dumont, datada de 1972.
Três anos depois outras obras visavam a ampliar a rede de esgotos no INOCCOP e construir um posto policial no bairro [16]

Esgoto a céu aberto corre livremente para o Rio das Mortes
atrás do Conjunto INOCOP , sob a linha da  Maria Fumaça. 2009.

Notas e Créditos

* Texto, fotografias e fotomontagens de recortes jornalísticos: Ulisses Passarelli.
** Jornais antigos de São João del-Rei: acervo da Biblioteca Pública Municipal Baptista Caetano de Almeida, acesso pelo site. 




[1] - O Combate, n. 209, 26/10/1902. A iluminação a querosene em São João del-Rei foi inaugurada a 01/11/1866, segundo CINTRA (1982). Funcionava precariamente e não podia ficar acesa a noite inteira por falta de verba da Câmara para manter o combustível madrugada a dentro, de tal sorte que usavam o estratagema de desligar os lampiões a uma hora ou apagar vários, deixando apenas alguns acesos. O apoio de uma verba estadual foi motivo de alegria pois “folgamos em annunciar que a illuminação publica é agora feita durante a noite inteira”, noticiou a Gazeta Mineira, n.1, 01/01/1884. Fábio Nelson Guimarães no seu estudo sobre as ruas da cidade escreveu: “No decorrer do ano de 1874, 40 lampiões guarneciam os recantos centrais de São João del-Rei, onde mais se fazia sentir a necessidade de iluminação. Serviço arrematado em hasta pública, substituiu-se, na desejada combustão, o azeite pelo querosene, (...) Já em 1882, a série de luminárias ascendeu para 100, fora os 8 da cadeia, onde permaneciam ‘grande número de criminosos de importância’.” A luz elétrica veio mais tarde, possibilitada pela instalação da usina hidrelétrica no Rio Carandaí. A luz foi instalada em tempos desiguais: no centro da cidade em 06/07/1900, segundo O Combate (n.1, 11/07/1900); em Matosinhos a 26/10/1902; na Colônia só em 1937, motivo para grande festividade, sendo que o sr. Deodoro Briguenti recepcionou as autoridades em sua residência e serviu-lhes lauto almoço. Houve vários discursos empolgados, informa O Correio (n. 554, 22/05/1937). Inauguração de luz era sempre motivo de grande festa para uma comunidade, tal como assisti no arraial de Januário, neste município, na década de 1980. Vale conferir o jornal O S. João d’El-Rey (n. 101, de 19/02/1922) comentando sobre tal regozijo na vizinha Resende Costa, com a presença de uma orquestra local, do maestro Joaquim Pinto Lara. Houve baile animado e nele tocou uma orquestra de cordas. A banda de música também deu uma nota de alegria. Em Tiradentes se negociava a instalação da rede elétrica para fins de iluminação em 1923 (A Tribuna, n. 467, 08/04/1923).
[2]The Smart, n.11, 24/01/1909.
[3] - A Tribuna, n. 471, 06/05/1923.
[4] - O Repórter, n. 88, 13/01/1910.
[5] - O Repórter, n. 89, 16/01/1910.
[6] - A Tribuna, n. 1.066, 29/03/1931 e n. 1.070, 03/05/1931
[7] - O Correio, n. 2.999, 03/04/1960.
[8] - Ponte da Cadeia, n. 103, 08/06/1969.
[9] - Ponte da Cadeia, n. 197, de 09/05/1971.
[10] - A Comunidade, n. 30, jan./ 1971.
[11] - Ponte da Cadeia, n. 241, 10/05/1972 e n. 244, 28/05/1972.
[12] - Tribuna Sanjoanense, n. 190, 09/09/1977 e  n. 205, 14/02/1978.
[13] - Jornal de S. João del Rey, n. 48, 6-12/09/1986.
[14] - Jornal de S. João del Rey, n. 138, 09/09/1989.
[15] - Nossa Terra, n. 2 e 3, nov./1989.
[16] - Tribuna Sanjoanense, n. 980, 18/05/1999 e n. 983, 15/06/1999. 

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